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    Lucy Kellaway

    Opinião: Ignore essa história de melhores conselhos

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    17/03/2014 15h20

    Na semana passada, recebi um e-mail de um jovem leitor perguntando qual havia sido o conselho mais sábio que já recebi.

    Pensei um pouco e não consegui lembrar de conselho algum. Meus pais não eram o tipo de pessoa que distribui conselhos genéricos, ainda que meu pai ocasionalmente citasse G. K. Chesterton quando fracassava no conserto de alguma peça de louça rachada, dizendo, sombriamente, que se fazer alguma coisa vale a pena, vale a pena fazê-lo mal.

    Passei as duas décadas passadas afundada até o pescoço em conselhos de líderes empresariais, encontrados em livros, blogs, artigos e entrevistas, mas nenhum deles ficou. A única dica que recordo veio de Helen Gurley Brown, a líder feminista e guru sexual: o que você precisa fazer é trabalhar com a matéria-prima que tem em mãos, ou seja você mesmo, e jamais desistir.

    Admiro o bom senso da recomendação, ainda que não esteja certa de que o conselho resistiria a uma análise detalhada. Dizer que você mesmo é sua matéria-prima não é muito útil - por que qual outra matéria-prima uma pessoa poderia ter? E dizer que é preciso não desistir jamais é deprimente porque não oferece perspectiva de descanso. Eu preferiria alguma orientação sobre quando é seguro desistir e quando não é.

    Em busca de algo melhor, me voltei ao LinkedIn, que publicou uma coleção dos melhores conselhos de seus "líderes de influência" - os grandes nomes que escrevem blogs no site para glorificá-lo.

    Eis uma seleção desses conselhos: crie uma situação em que todos saiam ganhando; lidere com a cabeça, o coração e as mãos; aprenda contar histórias; esteja sempre no jogo. Ainda que assustadoramente fracas, essas coisas pelo menos são inofensivas, o que é mais do que se pode dizer sobre a maioria dos conselhos. Muitos dos conselhos são tão perigosos que é preciso temer pelas centenas de milhares de usuários do LinkedIn que parecem tê-los devorado.

    Uma pessoa aconselha: "é aceitável não saber alguma coisa". Pelo contrário: isso é completamente inaceitável. Basta pensar no caso de Paul Flowers, antigo presidente do conselho do Cooperative Bank, em seu depoimento diante do Comitê Seleto do Tesouro na Câmara dos Comuns britânica no ano passado. Não era de modo algum aceitável não saber que a organização que ele presidia tinha 47 bilhões de libras em ativos, e achar que os ativos eram de apenas de três bilhões de libras.

    "Conhecer a você mesmo é a chave do sucesso". Uma vez mais: não é. Como Oscar Wilde disse, só pessoas muito rasas realmente são capazes de se conhecer.

    "Grandes líderes dizem 'nós'". Errado: grandes líderes dizem "eu". Eles lideram da frente, e assumem a responsabilidade pelo que estão fazendo.

    "Quando as coisas derem errado, vá surfar". Se você tiver tanto dinheiro quanto o sócio da Sequoia Capital que ofereceu essa dica, talvez possa fugir para a praia em caso de calamidade. Os demais de nós faríamos melhor em batalhar para resolver o problema.

    A única dica boa vem do presidente do conselho do Yahoo, que postou: "Tenho 58 anos e os melhores anos de minha vida estão à minha frente". Mas acho que seria maldade fazer essa recomendação aos leitores jovens. Ninguém está interessado em o quanto o futuro será divertido quando o futuro está tão distante.

    Por isso desisti do LinkedIn e me voltei em lugar disso ao manuscrito de um livro que recebi, contendo ótimos conselhos de figuras famosas. E as coisas imediatamente pareceram melhor. O primeiro conselho que li dizia: "Não seja pretensioso demais; quem quer que pense que vencerá toda vez terminará perdendo muito".

    Gosto bastante desse conselho. É sábio e espero. Só existe uma coisa de errada nele: foi oferecido por Donald Trump, possivelmente o mais pretensioso dos seres humanos.

    A citação vem de uma divertida coleção organizada por Zac Bissonnette, com palavras sábias (ou algo assim) proferidas por pessoas que, aparentemente, são espetacularmente incapazes de seguir o próprio conselho.

    Entre os demais grandes conselhos há este, de Dick Fuld, do Lehman Brothers: "Quando você sabe do que está falando, os outros o seguirão porque é seguro fazê-lo". Mais assustador é um conselho de O. J. Simpson: "No dia em que você assume plena responsabilidade por você, no dia em que deixa de procurar desculpas, você começa a subir".

    O livro nos diz algo importante sobre conselhos em geral. Do ponto de vista de quem dá o conselho, as recomendações que uma pessoa faz não existem para ser seguidas. Na verdade, são declarações de posicionamento que informam o mundo sobre os valores que o conselheiro gostaria que as pessoas acreditassem que ele defende.

    Do ponto de vista do recipiente, seguir o conselho evidentemente está fora de questão. Como disse John Steinbeck: "Ninguém quer conselhos; só corroboração".

    Ainda assim, não vou deixar meu jovem leitor sem resposta. Por isso, criei minha declaração pessoal de posicionamento; não posso dizer que a tenha seguido sempre, mas toda vez que a desrespeitei (como escrevi na coluna da semana passada), terminei me arrependendo.

    Meu conselho é o seguinte: se você um dia encontrar sua zona de conforto, nem sonhe em sair dela. Fique lá.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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