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    Lucy Kellaway

    Opinião: Bancos de investimento deveriam ser parecidos com o 'FT'

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    05/05/2014 11h44

    A coisa mais animadora que o "Financial Times" publicou na semana passada, por larga margem, foi uma carta de Robert Pickering, o homem que comandava o Cazenove. Na carta, ele ataca Antony Jenkins, o comandante do banco Barclays, por recorrer ao fatigado clichê da espiral da morte para justificar as bonificações pagas aos seus executivos.

    Não há qualquer necessidade, apontou Pickering, de pagar quantias cada vez maiores aos executivos financeiros para evitar que deixem seus empregos - nenhum banco jamais quebrou por ter perdido funcionários para concorrentes.

    Os executivos financeiros vêm e vão, e o mundo continua a girar.

    A carta foi deliciosa porque estava certa; veio de alguém que sabe sobre o que estão falando; e é sempre divertido para os espectadores assistir a um pugilato entre banqueiros.

    Pickering afirmou que não faz sentido despejar dinheiro nas contas de pessoas que estão ameaçando sair, porque é possível sobreviver sem elas.

    Isso é verdade. Mas do meu ponto de vista, que fica distante do distorcido mundo dos bancos de investimento, existe outra verdade: não faz sentido despejar dinheiro nas contas dessas pessoas porque, para citar Jessie J, o dinheiro não é tão importante.

    JOGADORES X JORNALISTAS

    Quando o assunto envolve propostas tentadoras de concorrentes, existem dois tipos de funcionários: jogadores de futebol e jornalistas do "Financial Times".

    Se você é jogador de futebol, o dinheiro é o mais importante. Você tem um conjunto mensurável de qualificações, e se alguém as considera mais valiosas que o seu empregador atual, você se transfere.

    Os modernos executivos de bancos de investimento se tornaram parecidos com os jogadores: vendem-se a quem pagar mais alto.

    No extremo oposto estão os jornalistas do "Financial Times". Eu nos escolhi como exemplo menos porque sejamos especiais e mais porque acompanho de perto as chegadas e saídas de pessoal - nos meus 28 anos de jornal, a cada semana compareço a uma ou duas festas de despedida, e por isso sei do que estou falando.

    Mas não consigo pensar em muitos colegas, nesse período, que tenham deixado seu emprego porque outro jornal avaliou suas capacidades (quase tão fáceis de medir quanto as de um jogador de futebol) e se dispôs a pagar mais para tê-las a seu serviço.

    Isso não significa que pessoas não tenham saído para ganhar mais - muita gente deixou o jornalismo porque aspirava ao estilo de vida mais elegante dos relações públicas. Mas apenas raramente essas pessoas se deixaram atrair a um emprego semelhante apenas pelo dinheiro.

    É claro que quem sai em geral negocia um salário um pouco melhor, e há quem astuciosamente use uma proposta de concorrente para arrancar salário melhor do "Financial Times".

    No entanto, o verdadeiro motivo da partida é sempre alguma outra coisa. Ou o outro jornal está lhes oferecendo uma coluna, ou um cargo mais grandioso, ou o jornalista se sentiu pouco apreciado no "FT", chegou ao limite de ascensão a que pode aspirar no jornal - ou se desentendeu com alguém.

    CHEFES

    A maioria das organizações relativamente decentes fica mais perto do modelo do "Financial Times" do que do modelo do futebol.

    Uma pesquisa do instituto Gallup nos Estados Unidos mostra que os trabalhadores escolhem deixar seus empregos porque não gostam de seus chefes, sentem que não se enquadram ou creem não haver perspectivas de promoção - apenas 20% deles afirmam que o salário influencia sua decisão.

    Por que as coisas funcionam assim? Por que as pessoas ficam quando poderiam ganhar mais em outro lugar?

    No caso do "FT", isso se deve a quatro coisas.

    A primeira é que nosso jornal é um lugar do qual podemos nos orgulhar, quase sempre. A segunda é que os jornalistas são transferidos de posto a posto, e por isso não se entediam. A terceira é que os colegas são boa companhia. E, por fim, temos um proprietário benigno que não nos diz o que escrever.

    Quando comecei a trabalhar na City (distrito financeiro de Londres), no começo dos anos 80, os bancos de investimento ainda não tinham adotado o modelo do futebol.

    1Se você trabalhava no Warburg, não o trocava pelo Schroders só porque este estava disposto a pagar um pouco mais. Aquele velho e pacato mundo ficou no passado, mas a cobiçosa falta de alma do seu sucessor moderno certamente deixa espaço no mercado para algo um pouco menos bruto.

    MODELO

    Precisamos de um novo banco de investimento construído no modelo do "Financial Times".

    O salário seria relativamente ruim (ainda que ainda assim generoso se comparado a empregos fora das finanças), e isso seria divulgado como vantagem. Em troca, haveria a promessa de tratar os jovens executivos financeiros como pessoas, permitir que voltem para casa em horário razoável, e lhes propiciar (algum) orgulho pelo que fazem.

    Haveria uma superioridade moral a extrair, trabalhando assim. Seria o Waitrose dos bancos de investimento.

    Os aspirantes a empregos no ramo, ainda não corrompidos pelo modelo atual, certamente acorreriam a esse novo banco em grandes números.

    E o mesmo se aplicaria aos clientes, famintos por algo menos cintilante e menos ruidoso do que aquilo que o mercado agora oferece.

    O problema com o meu novo banco é que precisaríamos de um grupo razoável de executivos financeiros experientes para estabelecê-lo, e todos eles precisariam aceitar grande corte de salários.

    Pickering, escrevendo de sua poltrona, não parece animado com a perspectiva de que alguém mude. E quanto a isso, também, tenho o desagradável pressentimento de que ele possa estar certo.

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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