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    Lucy Kellaway

    Opinião: O Facebook e o coro dos pedidos de desculpas sem desculpa

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    07/07/2014 12h01

    Na semana passada, Sheryl Sandberg nos ofereceu uma perfeita lição de como não pedir desculpas.

    A executiva do Facebook declarou que a experiência conduzida pela empresa quanto à manipulação das emoções de seus usuários havia sido "mal comunicada. E pedimos desculpas por essa comunicação. Não tínhamos o objetivo de incomodá-los".

    Isso é ruim em pelo menos quatro aspectos. Ela não assumiu responsabilidade pessoal. Não pediu desculpas pela coisa em si. O "não tínhamos o objetivo de incomodá-los" foi condescendente e, pior, uma mentira.

    A experiência foi especificamente concebida para incomodar alguns usuários, mostrando-lhes comentários negativos. Era todo o objetivo do exercício.

    Poucas semanas antes desse pedido frouxo de desculpas, Sandberg esteve em Cannes dizendo às mulheres que elas não deveriam se sentir tão culpadas. Mostrou um novo anúncio feminista da Pantene em que diversas mulheres pedem desculpas sem motivo.

    "Desculpe, mas posso fazer uma pergunta?", elas dizem.

    Sandberg parece ter levado a sério demais o anúncio. O ponto não é que as mulheres devem se recusar a pedir desculpas por coisas graves, mas sim que deveriam parar de se desculpar por falhas inexistentes.

    Desculpas desnecessárias são chatas tanto para quem as pede quanto para quem as recebe, e as mulheres são mais culpadas desse erro do que os homens. No entanto, de acordo com uma pesquisa de psicólogos canadenses, o motivo para que mulheres se desculpem é que sentem estar erradas o tempo todo.

    Os dois sexos pedem desculpas igualmente pelos seus erros; a diferença é que as mulheres acreditam cometer mais erros.

    Agorinha mesmo, quando eu estava lendo essa pesquisa em minha mesa, meu telefone tocou. Era um pesquisador me convidando a participar de um levantamento aleatório.

    "Desculpe, mas não posso ajudá-lo nisso. Desculpe,", eu respondi.

    Ao bater o telefone, me admirei por ter dito a maldita palavra duas vezes, ainda que, ao contrário do que a pesquisa indica, não me sentisse nem um pouquinho errada. O que eu queria dizer era "como é que você ousa me telefonar para isso quando estou trabalhando?"

    Brian Snyder/Reuters
    Sheryl Sandberg, diretora do Facebook e autora de livro sobre as mulheres nos negócios
    Sheryl Sandberg, diretora do Facebook

    SEM SINCERIDADE

    Suspeito que a vasta maioria das desculpas proferidas em escritórios, por pessoas de um e do outro sexo, sejam insinceras. São apenas um tique verbal, e um tique irritante, sem o qual viveríamos bem melhor.

    Para provar o ponto, acabo de pesquisar as 13 mil mensagens que estão em meu arquivo de e-mail na nuvem e constatei que a palavra "desculpe" aparece em 1.225 delas. É verdade que a maioria dessas mensagens veio de mulheres, mas isso acontece porque a pesquisa inclui a caixa de mensagens enviadas e as mensagens mandadas por mim.

    O fato é que não canso de me desculpar pela mesma coisa. "Desculpe a demora em responder". "Desculpe pelo silêncio". "Desculpe pela lentidão em responder".

    Enquanto eu peço desculpas constantemente por minha demora, as mensagens que recebo se desculpam por terem sido enviadas. "Desculpe pela mensagem coletiva". Ou "desculpe por fazer contato sem aviso".

    Esse pesar insincero torna mensagens como essas ainda menos agradáveis; e quando não respondo elas tendem a ser reforçadas por formulações ainda mais irritantes, como "desculpe insistir" ou "desculpe por incomodar".

    As pessoas não só se desculpam por enviar e-mails como gostam de pedir desculpas pelo tamanho da mensagem. "Desculpe por escrever demais", elas afirmam, ou "desculpe se essa mensagem parece ríspida; estou digitando em um teclado minúsculo".

    Esses pedidos de desculpas fazem com que você tenha vontade de responder: bem, escreva menos. Ou, aprenda a usar seu iPhone.

    MENSAGENS AUTOMÁTICAS

    Até mensagens automáticas de e-mail podem vir com um pedido de desculpas. "Desculpe, mas não estou no escritório".

    Recebi até uma mensagem do servidor de e-mail dizendo "desculpe informar, mas sua mensagem não pôde ser entregue"; e apesar do uso da primeira pessoa do singular, a assinatura da mensagem era "sistema de e-mail".

    De todos os pedidos de desculpa relacionados a e-mails, o único que realmente se justificava era o de alguém que sem querer havia apertado o botão de "responder a todos", enviando uma mensagem pessoal a todo o grupo acidentalmente. Dado o embaraço causado, a apologia foi um tanto ríspida: "Desculpem pelo cc. coletivo".

    Apenas uma ínfima minoria das demais mensagens era sobre coisas pelas quais as pessoas realmente se sentem arrependidas. A maioria delas vinha de mulheres, e a maioria não deveria ter sido enviada de modo algum.

    "Desculpe - problemas de memória". "Desculpe por não ter contribuído muito na reunião - dia ruim!"

    Menos sinceras, mas igualmente injustificadas, foram diversas não desculpas que recebi de homens. "Desculpe por dizer, mas"..., é como essas mensagens em geral principiam. Uma delas contém centenas de palavras destemperadamente raivosas - e eu a respondi com um pedido de desculpas que tenho certeza que Sandberg apreciaria.

    "Caro Sr. X.", escrevi. "Desculpe-me se o senhor não gostou de minha coluna". A brevidade, a forma sucinta, o uso do condicional e a insinceridade são um exemplo tão glorioso de agressão passiva que me senti até orgulhosa.

    Ali estava um pedido de desculpas com nada de mulherzinha. Espero ter deixado claro ao leitor que eu não estava me desculpando de verdade. De jeito algum.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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