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    Lucy Kellaway

    Opinião: Agendas digitais não se comparam ao nosso passado de papel

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    01/09/2014 16h49

    Na semana passada eu me apaixonei novamente por minha agenda Moleskine roxa. Durante um tempo, no verão, eu tinha aderido à era moderna e começado a organizar minha vida eletronicamente, mas agora voltei ao jeito antigo. Quando se trata de agendas, as de papel são imensamente superiores às eletrônicas em quase todos os quesitos.

    Não consigo pensar em qualquer outra coisa à qual isso se aplique tanto. O e-mail é melhor que as cartas de papel, já que não envolve a procura de envelopes e selos. O Google Maps é melhor que os guias de cidades em papel, já que a rua que você procura não está sempre na extremidade da página. E o eBay é melhor que lojas físicas por tantas razões que nem quero traçar uma lista delas.

    Mas no caso das agendas eletrônicas, há algo de estranhamente estressante em ter seus compromissos anotados na nuvem. A grande vantagem do papel, como já observou o especialista em organização David Allen, é que ele está bem à sua frente. Quero que meus compromissos estejam bem visíveis, ou pelo menos em minha bolsa. Quero vê-los anotados em minha própria letra, como minha promessa solene que vou fazer o que eu escrevi ali que faria.

    Em segundo lugar, as agendas eletrônicas são lerdas quando comparadas à versão mais ágil de papel. Para provar o que digo, reuni dois grupos de pessoas e perguntei o que estavam fazendo no dia 30 de outubro. As pessoas do primeiro grupo tiraram seus smartphones dos bolsos, digitaram uma senha e então ficaram pressionando a tela muitas vezes. A mais veloz chegou à informação em 17 segundos, e a mais lenta, em 32.

    O pessoal que usa agenda de papel abriu suas agendas e foi direto para a página em questão, levando em média oito segundos. Quando pedi que as pessoas anotassem um almoço marcado, a diferença de tempo foi ainda maior. Minhas cobaias com agendas de papel levaram cinco segundos para rabiscar alguma coisas; as que usavam iPhone levaram seis vezes mais tempo.

    As agendas eletrônicas são tão trabalhosas de se usar que uma terapeuta que conheço proibiu seus pacientes de usá-los em seu consultório. No fim de cada sessão ela diz que lhes enviará a data da próxima consulta por e-mail. Assim, evita desperdiçar seu intervalo de dez minutos entre consultas, enquanto os pacientes ficam mexendo com suas agendas eletrônicas.

    Outra vantagem grande do papel é que é fácil visualizar o tempo. Posso ver um dia e uma semana inteira em um instante, sem necessidade dos lembretes irritantes que o Google adora me mandar.

    Não apenas o papel leva menos tempo e não requer senha, como nunca fica sem pilha, nunca entra em pane, e nada é deletado misteriosamente.

    Melhor ainda é a satisfação proporcionada pelo próprio objeto físico. Todo Natal eu ganho uma agenda nova, de cor diferente. As páginas em branco me enchem de uma sensação de potenciais -uma emoção que página digital alguma, por mais que esteja vazia, é capaz de criar.

    No fim do ano a agenda já batida vai unir-se às suas antecessoras sobre uma estante, à espera de um tempo no futuro quando eu talvez comece a querer relembrar o que fazia no passado.

    Mas a maior vantagem de todas da agenda de papel, para mim, é que ela é privada. É uma falta de educação enorme fuxicar na agenda de uma pessoa -todo o mundo sabe disso. Todo o mundo, isto é, menos o Google.

    Já as agendas eletrônicas geralmente são compartilhadas. As agendas compartilhadas que a maioria das empresas (incluindo a minha, infelizmente) hoje exige me parecem uma invasão de privacidade pior que as câmeras de vigilância e o Facebook somados.

    Colegas de trabalho podem ver quando você vai estar livre e divertir-se enchendo aquelas horas preciosas com reuniões. Fãs do sistema dizem que é muito mais fácil e rápido programar reuniões desse modo, em lugar do trabalhão antigo de ter que marcar hora com 12 pessoas individualmente. Eles têm toda razão. Mas, justamente porque é mais fácil, o resultado são mais reuniões com mais pessoas nelas, o que desperdiça mais tempo do que o que se poupou marcando as reuniões em menos tempo.

    Compartilhar agendas em casa, como fazem muitas famílias modernas, é o "avanço" mais triste de todos, já que dispensa a necessidade de conversar. Sentar para discutir o que todo o mundo anda fazendo é algo que une uma família tanto quanto as refeições ocasionais feitas juntos.

    Não sou a única a rejeitar a agenda digital. Quase todos meus colegas mais velhos ainda usam agendas de papel, e vários dos mais jovens também -mas todos parecem um pouco envergonhados do fato. Não entendo o porquê. Preferir algo que é mais bonito, mais veloz, mais confiável e que deixa você no controle -por que envergonhar-se disso?

    Minha agendinha Moleskine roxa só tem uma desvantagem: se eu a perder, terei problemas. Não tenho resposta a propor, a não ser dizer que na prática isso raramente acontece. Tenho um "dom" de perder coisas de modo geral, mas nunca perdi minha agenda. Seria uma pena se isso acontecesse depois de eu escrever esta coluna conclusiva.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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