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    Lucy Kellaway

    Opinião: Os alunos 'cool' são mais tóxicos do que os ricos

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    08/09/2014 12h18

    Quando cheguei à universidade, em 1978, minha mãe me levou em seu Citroën Dyane laranja, e o baú que estava no porta-malas continha alguns poucos livros e meus LPs de Patti Smith e do Talking Heads.

    Este ano, os estudantes que estão começando a universidade podem fazer uma entrada mais grandiosa, chegando de helicóptero, jatinho executivo, MacLaren P1, Aston Martin, Rolls-Royce - ou em uma carruagem. Essas são algumas das possibilidades do serviço Very Important Fresher [calouro muito importante], lançado na semana passada pela Uni Baggage, e que cobra até 35 mil libras para levar adolescentes e seus pertencentes à universidade com o maior estilo.

    O serviço não é dirigido apenas a estudantes estrangeiros obscenamente ricos que não foram informados de que esse tipo de coisa não se faz no Reino Unido. De acordo com a companhia, existe uma parcela pequena mas crescente de britânicos que tampouco foram informados disso. E cada vez mais britânicos querem o tratamento Very Important Fresher.

    Mesmo os universitários que não têm como bancar um helicóptero estão ainda assim chegando para começar seus estudos com equipamento muito mais luxuoso do que costumavam. Esta semana fui à John Lewis - a loja de departamento preferida da classe média mais convencional - e a encontrei decorada com cartazes de "volta às aulas" apontando para caçarolas, edredons e almofadas bem caros.

    No site da loja, a lista de equipamento "essencial" para os universitários consiste de mais de 60 itens nada essenciais, entre os quais uma cadeira de escritório. Quando você clica no link, encontra um elegante modelo da Herman Miller com preço de 899 libras.

    No final dos anos 70, na universidade, a primeira regra para os estudantes que tinham muito dinheiro era fingir que não tinham dinheiro algum. Eu só conhecia um sujeito que de vez em quando me levava para jantar em restaurantes elegantes - mas ele tinha a desculpa de ser norte-americano.

    O novo espírito de ostentação é tão evidentemente ruim que afirmar que o seja é tedioso. É ruim para aqueles que ostentam aquilo que têm, e ruim para aqueles que não têm o que ostentar. Ser pobre quando universitário não só parece a ordem natural das coisas como certamente motiva a pessoa a ser menos pobre no futuro.

    Embora seja deprimente que vasta riqueza tenha se tornado um símbolo de status socialmente aceitável para universitários de 18 anos de idade, isso não é pior que formas mais tradicionais de ostentação.

    Dois de meus filhos se formaram recentemente em diferentes universidades britânicas, e eles me dizem que dinheiro não ajuda tanto assim os universitários que querem se destacar; o que mais ajuda é ser "cool". Essa era, e continua a ser, a principal maneira de diferenciar, e o caminho para atingir esse status envolve seguir as seis tolas e perniciosas regras do cool.

    O primeiro caminho para se tornar um calouro muito cool é tratar com completo desdém tudo aquilo que a universidade dispõe, rejeitando as atividades organizadas para os calouros e promovendo festas próprias - o que é difícil se você não conhece pessoa alguma.

    Em seguida, você precisa agir de maneira inamistosa para com quase todo mundo, exceto aquelas poucas pessoas que você considera como suficientemente cool. Isso significa contrariar o propósito da universidade, que afinal é alargar, não estreitar, os horizontes.

    Usar drogas, bebedeiras pesadas e fumar cigarros enrolados à mão são coisas que ajudam um aluno a parecer cool - como sempre ajudaram - e que continuam a fazer tão mal quanto sempre fizeram.

    Ser de Londres é eternamente cool. Ser de Swansea, de qualquer lugar rural, de Southampton, Hull e praticamente qualquer outro lugar do planeta exceto algumas capitais, será eternamente não cool. E isso é difícil, porque um universitário não tem muita influência sobre o lugar em que seus pais vivem.

    Ser muito bonito é cool. E ser magro. E usar as roupas certas. O primeiro fator é injusto, o segundo é perigoso e o terceiro envolve muito trabalho.

    Ser inteligente também é cool, e conseguir boas notas em todos os trabalhos e um diploma de primeira linha é igualmente cool - o truque é que trabalhar visivelmente para isso é o contrário de cool. Estar na biblioteca na hora em que ela abre só é cool se você passou a noite acordado.

    Embora todas essas regras me pareçam familiares, elas são mais letais, agora, porque ser cool se tornou mais difícil. No meu primeiro dia de universidade, eu me sentia passavelmente cool em meu macacão OshKosh verde maçã - mas isso era só porque metade das meninas estavam usando tweed e casaquinhos de lã. Agora que todo mundo pode comprar as mesmas roupas na Internet, para ser verdadeiramente cool você precisa dedicar metade de seu tempo a procurar roupas vintage em brechós.

    Ser um calouro muito cool também é muito mais fatigante em termos físicos porque nenhuma noitada termina antes da hora do café da manhã. Na minha época, não era vergonha para uma pessoa cool ir se deitar à meia-noite. Isso torna fantasticamente difícil parecer cool e ir bem nos estudos, e ir bem nos estudos agora é muito mais importante do que era para nós, porque todos sabíamos que conseguiríamos empregos decentes, no fim dos estudos.

    Assim, o que é mais letal: o calouro muito cool ou o calouro muito rico? Digo que o primeiro: pelo menos o calouro muito rico pode lhe pagar uma bebida ou oferecer carona em sua Ferrari, caso não perceba que você não é cool o suficiente para que ele perca seu tempo.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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