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    Lucy Kellaway

    Opinião: Manicures da McKinsey são jeito cafona de atrair candidatas

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    06/10/2014 15h21

    Na escola de administração de empresas da Universidade Stanford, uma das mais difíceis do mundo para os candidatos a admissão, as alunas de MBAs são mercadoria procurada. Todos desejam contratá-las. O problema para os empregadores é como atrair sua atenção.

    A McKinsey encontrou uma resposta, e enviou a todas as alunas um convite cor de rosa muito bonitinho para um evento de "manicure/pedicure" em Palo Alto. Assim, na quarta-feira passada, diversas ambiciosas alunas de administração se reuniram para esfoliar a pele dos calcanhares e pintar as unhas de cereja e azul, enquanto eram informadas de como seria ótimo trabalhar na mais formidável consultoria de gestão do planeta.

    Já que faz só três semanas que escrevi uma coluna inteira sobre a tosca tentativa da McKinsey de prever o futuro, eu normalmente teria dispensado a oportunidade de discorrer outra vez sobre a empresa depois de intervalo tão curto. Mas um novo momento tosco da companhia me obrigou a retornar ao combate.

    Alguns meses atrás, o Goldman Sachs causou alvoroço com um episódio parecido de tratamento sexual estereotipado, ao distribuir a potenciais candidatas a emprego sacolas de brindes contendo espelhos e lixas de unha decorados com o logotipo do banco. O evento de manicure/pedicure me parece ainda menos refletido do que as lixas de unha, que embora idiotas não requerem participação ativa de quem as receba e podem ser facilmente jogadas no lixo.

    A McKinsey não está sozinha em tentar atrair as alunas de Stanford dessa maneira. A Bain, em um esforço por não ficar para trás, no mês que vem realizará um evento ainda mais tosco - um evento de culinária só para mulheres. Em um momento no qual "volte para a cozinha" se tornou o insulto sexista que os meninos utilizam contra as meninas inteligentes nas escolas, um evento como essa parece absurdamente inapropriado. O que virá a seguir, fico imaginando: um evento com espanadores e ferros de passar patrocinado pela BSG?

    Tanto a Bain quanto a McKinsey me disseram que esses eventos são parte de uma gama de atividades criadas para ajudar as empresas a conhecer melhor os universitários. Bem, ao que parece as estudantes não desejam especialmente ser conhecidas dessa maneira. O homem que gentilmente me encaminhou os dois convites por e-mail afirmou que eram "excessivamente heteronormativos", uma opinião de que, segundo ele, muitas de suas colegas de classe compartilhavam.

    No entanto, a área é infernalmente traiçoeira, e nem todos os estudantes sentem a mesma coisa. Uma delas me contatou e disse que a McKinsey merecia elogios por ter rompido o tabu de que mulheres não devem ser excessivamente femininas no trabalho. A consultoria estava tornando aceitável que as mulheres se reúnam para fazer algo de divertido e feminino - da mesma forma que os funcionários homens das empresas se unem para fazer coisas de menino e para assistir a eventos esportivos.

    Consigo (em alguma medida) compreender o que ela quer dizer. Existe algo de injusto na maneira pela qual chutar ou lançar bolas para colocá-las em redes- algo que não serve a qualquer propósito real -seja visto como atividade empresarial aceitável, enquanto enfeitar as unhas com uma cor chamativa - o que em geral as torna mais bonitas - não merece o mesmo respeito. A mulher de negócios de maior sucesso que conheço adora falar a seus colegas de conselho sobre o trauma que sente ao quebrar uma unha depois de um trabalho elegante de manicure; sempre me diverte ver como ela embaraça e confunde seus colegas homens ao fazê-lo.

    Mas usar serviços de beleza em um evento de recrutamento é um grande erro. Para começar, qualquer coisa relacionada ao corpo de uma candidata deveria ser assunto privado. Não quero ter de olhar para os calos nos pés das mulheres que podem me oferecer um emprego, e tampouco quero que elas vejam os meus. É excesso de intimidade e não há como conceber onde isso pode terminar. Se as consultorias oferecem serviços de pedicure às suas candidatas, não vai demorar para que bancos rebatam oferecendo depilações íntimas. Um evento de recrutamento não deveria se parecer com uma festa de despedida de solteira.

    A pior coisa sobre esses eventos é que são discriminatórios. Eventos de golfe são injustos não para com as mulheres (algumas das quais inexplicavelmente gostam desse esporte), mas para com as pessoas que não jogam golfe. Eventos de manicure/pedicure discriminam contra aqueles de nós que os acham um tédio e prefeririam ficar em casa e ler um livro.

    Mas isso me conduziu à mais deprimente das constatações: Acabo de conversar com uma amiga que trabalha em uma grande empresa norte-americana, e quando lhe falei de minhas objeções ao evento da McKinsey, ela me disse que eu estava desatualizada: nos Estados Unidos, as profissionais liberais cuidam muito bem de suas unhas.

    Aparentemente, recorrer a uma manicure não é a mesma coisa que jogar uma partida de golfe, o que é opcional. Em lugar disso, é uma atividade compulsória para as mulheres e está se tornando uma das maneiras principais para que elas convivam mais com as colegas de trabalho. Minha amiga frequentemente vai ao salão de beleza com sua mentora, e lá elas discutem estilos de liderança e os resultados da empresa no segundo trimestre.

    Assim, pode ser que a McKinsey esteja oferecendo algo de valioso às jovens candidatas a emprego. Se elas desejam entrar no mundo dos negócios, especialmente nos Estados Unidos, e se elas acham que fazer as unhas não é exatamente sua ideia de diversão, a consultoria as está informando de que, não importa qual seja sua média de notas, não encontrarão sucesso no mercado de trabalho.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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