• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 04:04:13 -03
    Lucy Kellaway

    Opinião: Mistura de Tinder e LinkedIn seria boa forma de contratar

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    20/10/2014 12h25

    Somos péssimos quanto o assunto é contratar. No fundo, todos sabemos que isso é verdade, mas precisamos fingir que não é porque gastamos muito dinheiro e dedicamos muito tempo a isso, e porque é importante obter o resultado certo. Mas na realidade jamais sabemos se as pessoas que selecionamos serão boas –às vezes elas provam ser excelentes, às vezes são péssimas, e em geral ficam em algum ponto entre esses dois extremos.

    A pessoa que mais recentemente apontou para a estupidez da nossa forma de contratar foi Laszlo Bock, do Google, que na semana passada escreveu um post no LinkedIn afirmando que currículos são perda de tempo. O que as pessoas escrevem sobre si mesmas em currículos no geral não passa de um monte de bobagens filtradas, e mesmo que elas sejam ligeiramente verdade, os empregadores não sabem o que isso significa para eles. E não apenas são os currículos que pouco ajudam: entrevistas (como já escrevi muitas vezes) e referências são certamente as ferramentas mais inúteis.

    E enquanto o empregador faz sua escolha no escuro, o mesmo vale para o candidato. Todas as descrições de funções são escritas em forma de jargão corporativo, e não oferecem qualquer pista do que o trabalho de fato será.

    É preciso haver uma maneira melhor –e segundo Bock, ela existe. Sua base está nos dados. Se pudermos obter dados suficientemente detalhados sobre a pessoa e sobre o cargo, uma seleção perfeita estará ao nosso alcance em todas as ocasiões. Várias companhias, entre as quais o Google, estão trabalhando para isso, e um admirável futuro novo possivelmente nos aguarda, no qual os currículos poderão ser colocados no lixo e todo o processo de recrutamento transcorrerá de modo automatizado.

    Enquanto isso, temos uma alternativa mais simples que não envolve recolher um monte de dados sinistros sobre as pessoas. O único problema com ela é que ainda não existe na prática, porque acabei de imaginá-la.
    A ideia me ocorreu na semana passada, quando estava conversando com uma jovem que conheço. Ou melhor, eu estava teclando com ela mas ela não estava respondendo porque estava no Tinder.

    Caso existam leitores do "Financial Times" que ainda não ouviram falar desse aparelho, ele se tornou o modo preferencial das pessoais mais jovens e solteiras para procurar possíveis parceiros. É simples, e viciante: você posta sua foto, idade e nome, e tem acesso a fotos de possíveis parceiros em sua faixa etária e em sua região. Se você gosta do que viu, desliza a tela para a direita; se eles gostarem de você, uma troca de mensagens se torna possível.

    Depois disso, o resultado depende de seu esforço. Você pode marcar um encontro. Pode fazer sexo de primeira - ou nunca -, ou em lugar disso desenvolver um relacionamento que termine em casamento.

    O que quer que aconteça, é imediato. E divertido. E minha jovem amiga diz que os homens com quem você termina saindo não são em nada piores do que aqueles que uma pessoa encontraria por meio de canais mais tradicionais.

    Se isso funciona tão bem para encontros, por que não para contratações? Certamente existiria um mercado para um app –vamos chamá-lo de TinderIn– que servisse de meio rápido de aproximar pessoas de cargos em aberto. Em lugar de postar um currículo no LinkedIn, as pessoas postariam fotos (que as mostrassem em um computador, ou em contato com a natureza, ou rindo escancaradamente) e uma descrição muito breve –digamos que com 140 caracteres ou menos. A minha poderia ser "colunista do 'Financial Times. Conselheira de empresas. Faço palestras".

    O empregador teria os mesmos 140 caracteres para dizer alguma coisa sobre o posto oferecido. Se os dois lados se aprovassem mutuamente, poderiam começar a trocar mensagens. O fluxo de perguntas e respostas curtas seria mais rápido, simples e natural que uma entrevista e, se tudo transcorresse bem, o próximo passo seria um encontro rápido no escritório. Presumindo que os dois lados gostem do que verem, a pessoa poderia começar a trabalhar. Mais tarde, um contrato permanente seria assinado. Ou não. Se qualquer das duas partes se desanimar, a qualquer momento, é só voltar ao TinderIn –e sem mágoas.

    Dessa forma, todas as cansativas formalidades seriam abandonadas. Não haveria mais currículos enviados sem solicitação, e tampouco a desgastante espera por cartas de rejeição.

    O melhor é o que método seria honesto. A maior parte das contratações ainda funciona com base no velho mundo do emprego para a vida toda, ou no mínimo por períodos muito longos. No TinderIn, a infidelidade dos trabalhadores seria explícita. Ninguém teria de fingir que passou a vida apaixonado pelo UBS ou pela P&G. Depois de o trabalho começar é que as pessoas decidiriam se gostam ou não do empregador.

    Outra vantagem do TinderIn é que a localização receberia a atenção merecida. O aplicativo favoreceria os candidatos mais próximos, consideração que a maioria dos empregadores irresponsavelmente ignora. Ninguém sabe se o contratado gostará do emprego, mas um percurso curto de casa para o trabalho sempre será vantagem.

    É possível objetar que fotos não deveriam ser uma das ferramentas de seleção no TinderIn, porque a aparência é irrelevante para a maioria dos empregos. Mas a escolha da imagem oferece uma (pequena) pista sobre o candidato. E isso é um bom começo.

    É possível que o TinderIn não funcione. Mas os resultados não seriam piores que os oferecidos pelos arranjos atuais. E o sistema teria a extraordinária vantagem de fazer da procura de emprego ou da procura de um funcionário - duas das tarefas mais desgastantes que existem - uma atividade divertida.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024