• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 00:41:06 -03
    Lucy Kellaway

    Opinião: Café com desconhecidos pode melhorar seu desempenho em 10%?

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    03/11/2014 12h00

    A cada semana, recebo diversos convites para um café com completos desconhecidos. Leitores me enviam e-mails dizendo que estão passando por Londres a negócios e gostariam de me visitar na sede do "Financial Times".

    Pessoas entram em contato querendo me falar dos livros que escreveram ou das empresas que estão abrindo. Estudantes sugerem encontros que possam lhes render ajuda gratuita em seus trabalhos escolares. E há a corrente constante de gente otimista e desorientada, na casa dos 20 anos, que quer conselhos meus sobre como ingressar no ramo do jornalismo.

    Não é preciso ser jornalista para ser constantemente convidado a interagir, dessa maneira. Qualquer um é capaz de descobrir o endereço de e-mail de qualquer um; qualquer um pode sugerir um café. Em qualquer dado momento de um dia útil, milhões de cafés, no geral inúteis, estão sendo consumidos por exércitos de viajantes de negócios ociosos, estudantes e outros engraçadinhos que ocupam suas agendas vazias ao sobrecarregar as agendas de desconhecidos.

    No meu caso, não há o que ganhar com esses encontros. Não tenho empregos a distribuir. Não tenho coisa alguma de muito interessante a dizer aos leitores a não ser "oi, você gostaria de conhecer nosso refeitório?" Usualmente não tenho a intenção de escrever sobre o livro ou novo negócio de alguém, e não sou especialmente boa em ajudar estudantes em seus trabalhos.

    Assim, de que modo eu deveria lidar com essas solicitações? Dizer sempre "não" é difícil, e maldoso. Dizer sim parece simpático e generoso, no momento da decisão, mas inevitavelmente causa acessos de raiva ao longo do dia, e você se apanha se xingando por ter sido fraco e aceitado. O que deixa a alternativa de não responder e pronto, a opção mais fácil - e a mais rude.

    Minha estratégia é não ter estratégia. Como respondo, ou deixo de responder, depende inteiramente do humor em que o e-mail me apanhe. As únicas pessoas que quase sempre aceito encontrar são ou amigos de meus filhos ou os filhos de meus amigos. Isso, claro, constitui nepotismo. Mas a natureza humana é assim.

    Na semana passada, descobri por acaso uma maneira melhor de racionar o tempo dedicado a desconhecidos, uma maneira que está sendo usada por Debbie Horovich, especialista em média social. Ela faz com que todo mundo que a aborda preencha um formulário no qual delineia as questões que gostaria de ver respondidas, o que permite que ela já elimine os interlocutores que a farão perder mais tempo e decida quem merece um encontro.

    A beleza desse sistema é que força as demais pessoas a fazerem sua lição de casa. E provê uma base científica para responder sim ou não. É uma forma mais justa e polida de atendimento do que simplesmente não responder.

    A técnica impressionou tanto a Dorie Clark, da Universidade Duke, que ela terminou por adotá-la e escreveu um posto sobre o assunto no blog da "Harvard Business Review", sob o título "impeça que outras pessoas desperdicem o seu tempo". O método é fantástico, ela afirma, porque em geral quando você envia um formulário à pessoa que o contatou, ela nunca mais voltará a fazê-lo.

    Mas há um porém: quem quer que receba um formulário como esse certamente concluirá que você é um chato pomposo e convencido - o que presumivelmente representa o principal motivo para que os formulários não sejam preenchidos.

    Há um segundo porém, ainda mais grave. Duvido que esses formulários sirvam para descartar as pessoas que causam mais perda de tempo. Existe uma triste lei na vida sob a qual as pessoas mais ansiosas por se encontrar com você - e elas certamente serão as pessoas que preencherão o formulário com mais cuidado - são exatamente as pessoas com as quais você menos gostaria de conviver.

    Por isso desenvolvi um sistema melhor. É me submeter a um breve encontro por semana com um desconhecido, escolhido ao acaso, ou possivelmente por ser o autor do e-mail que mais me aguce a curiosidade.
    Pensando nisso agora, o café resultante pode nem ser tão inútil. Para começar, você nunca sabe que cafés serão úteis e que cafés não serão. Muitas vezes obtenho excelentes ideias das pessoas mais improváveis.

    Segundo, encontros com jovens que desejam ser jornalistas certamente servem mais a mim do que a eles. Essas ocasiões me lembram de que preciso estar sempre alerta e muito grata por já ter passado dos 50 e não estar mais na casa dos 20 anos.

    E o melhor é que descobri, agora, que encontros com os leitores podem não ser inúteis, afinal - de fato, acabam de surgir provas científicas do oposto. Na semana passada, li sobre uma interessante pesquisa segundo a qual os cozinheiros fazem comida mais saborosa se puderem ver quem vai comê-la. Se os chefs participantes da experiência viam seus convivas, as refeições resultantes eram consideradas 10% mais saborosas.

    Não vejo por que o mesmo não deva se aplicar aos jornalistas. Se você acha que essa coluna poderia ter sido 10% mais inteligente, engraçada e interessante, já sabe de quem é a culpa - o fato de que na semana passada não me encontrei para um café com desconhecido algum.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024