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    Lucy Kellaway

    Opinião: E o prêmio anual do besteirol corporativo vai para...

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    05/01/2015 13h49

    Na véspera do Ano Novo, pouco antes da sessão final de julgamento do meu Prêmio Besteirol Corporativo 2014, fiz um apelo de último minuto no Twitter, perguntando quais haviam sido as frases mais irritantes do mundo dos negócios no ano passado.

    Muita gente respondeu com expressões como "esforço para atingir", "lean in", "olhando para o futuro", "contrapressão", "espaço". "Aprendizados". "Passional". "Conteúdo". "O que peço de você".

    Ao ler as sugestões, comecei a me irritar. Sim, essas coisas realmente foram irritantes em 2014. Mas já o eram em 2013 e antes disso. "Esforço para atingir" e "olhando para o futuro" incomodam desde o milênio passado.

    Mas a resposta prova alguma coisa sobre o espaço do jargão no ano passado. Se bem que ele não tenha sido muito forte em termos de inovação, ainda assim permitiu que o besteirol já existente se expandisse e incomodasse mais que nunca.

    Este ano, concederei um prêmio especial a uma organização que deveria estar acima do jargão mas que terminou arrastada ao charco do besteirol.

    A vencedora do prêmio "Anjo Decaído" é a Igreja Anglicana, que em um documento sobre o treinamento de bispos falou em "uma mudança radical de passo em nosso desenvolvimento de líderes capazes de articular e formar uma visão convincente e capacitados e robustos o bastante para criar espaços de incerteza segura nos quais cresça o Reino".

    Nosso Senhor, contemplando lá do alto uma sentença na qual Seu Reino se viu obliterado por uma dúzia de cansativos clichês de gestão, deve ter sentido forte dificuldade em exercitar seu gênio para o perdão.

    Meu próximo prêmio vai para um importante presidente-executivo que prestou serviços notáveis à causa da conversa mole ao longo do ano. É preciso admirar a forma intrigante pela qual Randall Stephenson, presidente-executivo da AT&T declarou que "na verdade pensamos que a indústria seja um lugar no qual você possa de fato ver a olho nu a equação de subsídios mudando fundamentalmente em prazo muito curto".

    Mas por fim os jurados consideraram que Tim Cook –estranhamente também selecionado como pessoa do ano pelo "Financial Times" - merecia o Troféu Anual da Enrolação 2014. Sob a liderança dele, a Apple - até então a única companhia de sucesso que usava palavras com elegância– sucumbiu ao besteirol.

    Ao subir ao palanque em Cupertino, ele declarou que "no final do dia, esse é um dia muito chave para a Apple", assim combinando duas frases não só vazias como conflitantes.

    O mais intrigante é que, quando todas aquelas fotos de estrelas topless escaparam da iCloud, ele disse: "Ao dar um passo para trás e contemplar esse cenário terrível... penso na questão da conscientização. Temos a responsabilidade de reforçá-la. Não é só uma coisa de engenharia". Talvez não seja. Mas faz de Cook o meu campeão mundial da enrolação em 2014.

    Um dos meus prêmios favoritos a cada ano é o que reservo ao melhor eufemismo para demissões. Este ano, decidi que não o concederia, porque não havia candidatos merecedores. O ABN Amro demitiu mil pessoas "para melhorar ainda mais a experiência do consumidor", o que é bom, mas nem chega perto da EY, que em 2013 demitiu pessoas explicando que "contemplamos o futuro reforço de nossa rede de ex-funcionários".

    Em lugar disso, vou conceder um prêmio ao e-mail mais mal começado. Stephen Elop começou uma mensagem de 1,2 mil palavras na qual comunicava milhares de demissões na Microsoft com "oi, gente".

    Mas mesmo assim foi derrotado pelo Uber, que abriu uma mensagem aos clientes do serviço que estavam preocupados com o suposto estupro de uma mulher indiana por um motorista a serviço da companhia, com a palavra "ei".

    A próxima categoria é a Copa da Comunicação, concedida à maneira nova mais horrível para descrever a simples atividade de falar com pessoas. A concorrência era feroz: durante o ano fui convidada a "pegar carona num telefonema", o que me irrita pela falsa jovialidade, e a "me mande datas e a gente fecha".

    Mas melhor que os dois era "circule de volta comigo", que já existia mas piorou com o acréscimo desse "comigo", completamente idiota. No entanto, encontrei algo ainda melhor em um e-mail de relações públicas: "outreach" se tornou coisa do passado. O novo modo de usar essa expressão odiosa está em invertê-la: "I'm outreaching to you".

    O prêmio seguinte vai para o nome de cargo mais idiota. Os jurados adoraram o modo pelo qual a Tesla chama seus vendedores de carros de "especialistas em entrega de experiência", mas depois de um feroz debate o prêmio foi conferido à PwC na Suíça, que deu ao seu diretor de recursos humanos o título de "líder territorial de capital humano".

    As três últimas palavras são pomposas, e a primeira é mentira. O pessoal de recursos humanos não lidera.

    Ao escolher minha frase vencedora do prêmio besteirol do ano, levei em conta demências como "isso ressoa em seu radar?", mas não demorei a perceber que elas eram café pequeno diante do novo e esplêndido verbo "to action forward" [literalmente "acionar adiante"], coisa que ouvi um executivo em geral sensato dizer no mês passado.

    "Actioning forward", com sua deslumbrante combinação de dois dos mais irritantes jargões de todos os tempos, ressoa tão vigorosamente no meu radar que fico com medo de que ele esteja quebrado.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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