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    Lucy Kellaway

    É melhor para todos demitir rapidamente as más contratações

    DO "FINANCIAL TIMES"

    16/02/2015 17h28

    Há 10 dias, uma adolescente texana até então desconhecida, chamada Cella, usou o Twitter para postar uma mensagem que dizia "eca, vou começar em uma b...a de emprego amanhã", seguida por meia dúzia de símbolos de um polegar virado para baixo.

    Alguém mostrou a mensagem ao gerente da pizzaria que havia acabado de contratá-la, e ele respondeu: "Não, você não vai começar nessa b...a de emprego hoje! Está demitida! Boa sorte em sua vida sem emprego e sem dinheiro".

    A julgar pela reação na internet, a maioria das pessoas com menos de 25 anos vê Cella como heroína. Ela estava exercendo seu direito à liberdade de expressão. Não mencionou o nome do restaurante, e por isso é absurdo que tenha sido demitida pelo que escreveu. A maioria das pessoas com mais de 25 anos assume a posição oposta. Para esse grupo, ela se comportou como fedelha mimada e mereceu o que lhe aconteceu.

    Mas os dois lados concordam em que ser demitido antes de começar no emprego é notável. O Twitter parece ter mudado para sempre a maneira pela qual trabalhamos.

    No passado, a garota só teria sido demitida depois que começasse a rosnar para os fregueses. Ao pôr fim a essa agonia antes mesmo que ela começasse, a companhia saiu ganhando –e o mesmo vale para os ex-futuros colegas de Cella, porque ninguém gosta de trabalhar com alguém ranzinza a ponto de começar a resmungar sobre uma coisa antes mesmo de ter alguma coisa sobre o que resmungar. E até Cella saiu ganhando alguma coisa (além de sua breve celebridade), já que terminou privada de um trabalho que estava decidida a odiar.

    A única coisa errada no tuíte do gerente da pizzaria foi a grosseria. A situação foi causada por ele. Ele contratou a pessoa errada e, ao se livrar dela, deveria ter admitido o erro e pedido desculpas.

    Todos os gestores, mesmo os mais experientes, de vez em quando selecionam pessoas completamente inapropriadas. Isso não surpreende, porque é sempre muito difícil saber como uma pessoa realmente é até que ela comece. O que surpreende é quanto tempo demora para que a machadinha se abata sobre os inadequados. Os administradores postergam por três fortes motivos: apegam-se à esperança sentimental de que a pessoa vá mudar (o que quase nunca acontece); relutam em admitir uma escolha errada; e hesitam diante da desagradável tarefa de demitir alguém.

    Na semana passada, conversei com um sujeito que foi presidente-executivo de uma grande empresa, e que é renomado por ter selecionado como subordinados alguns dos melhores executivos do Reino Unido. Ele me disse que não era melhor que ninguém ao selecionar pessoal –de cada cinco pessoas que ele recrutou, uma se provou excelente, três eram satisfatórias, e a última era horrenda. O seu verdadeiro talento, se vangloriou o executivo, estava em demitir rapidamente os contratados insatisfatórios.

    O momento de maior orgulho para ele foi demitir um executivo de primeiro escalão depois de apenas um dia no posto. Poucas horas depois de o sujeito começar, já havia uma fila de gente na porta da sala do presidente para se queixar do estilo abrasivo do novo contratado. Antes do final da tarde, o presidente-executivo entrou em ação, disse ao sujeito ter cometido um erro, lhe pagou uma pequena indenização e foi assim que a carreira do executivo na empresa acabou. Os dois lados então fingiram que nada tinha acontecido. Naquela época não existia Twitter, e portanto o caso não se tornou notícia e não gerou controvérsia.

    Quando há algo de errado, não é só o empregador que sabe de imediato. Um conhecido meu recentemente foi selecionado por uma empresa de busca de executivos para um novo posto com remuneração quase duas vezes mais alta. No final do primeiro dia, ele já estava irritado com as pessoas, com a atmosfera da empresa e com a pressão que o pessoal sofria. Na manhã do segundo dia, ele pediu demissão, e na mesma tarde estava de volta ao seu antigo empregador.

    Não estou dizendo que todo mundo deveria deixar um emprego novo ao primeiro sinal de problemas, e nem que todas as contratações decepcionantes deveriam ser demitidas de imediato. Mas quando o descompasso é muito grande, o que acontece com mais frequência do que poderíamos imaginar, pressa nunca é demais.

    Um homem que conheço foi contratado para um posto importante de uma empresa dois anos atrás. Foi entrevistado por meia dúzia dos principais executivos do grupo, todos os quais se impressionaram com sua inteligência, seu pensamento estratégico e sua aparente jovialidade. Mas ele se provou um desastre. Era arrogante, e todo mundo que se reportava a ele o detestava. A companhia precisou de um ano para se livrar do sujeito, e os danos sofridos ao longo desse período foram prodigiosos.

    Se alguém tivesse consultado a assistente do presidente-executivo que o recebeu para as entrevistas, as coisas poderiam ter sido diferentes. Quando ela subiu com ele no elevador, o executivo não a olhou na cara e mal reagiu às suas gentilezas. Ela sabia desde então que não daria certo.

    Pedir a opinião de seguranças, recepcionistas e assistentes sobre candidatos faz muito sentido. Se avaliações multilaterais são boa ideia, entrevistas multilaterais são muito mais. Nas primeiras, subordinados temerosos podem optar por não dizer a verdade sobre os chefes; em uma entrevista, eles correriam para impedir que pessoas rudes, prepotentes e desajustadas conquistassem o cargo já desde o começo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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