• Colunistas

    Thursday, 16-May-2024 23:45:09 -03
    Lucy Kellaway

    Pior que se gabar abertamente é fazê-lo fingindo humildade

    03/03/2015 14h48

    Na semana passada, Harris Wittels, o homem que cunhou a expressão "humblebrag" [alguém que se gaba fingindo humildade] morreu, com apenas 30 anos. Em sua homenagem, tenho vasculhado alguns dos mais finos exemplos desse lastimável gênero de literatura e dois dos que encontrei são meus favoritos.

    O segundo melhor é um tweet de Stephen Fry em 2013 –"nossa, não sei o que fazer no aeroporto. Muitos fãs, mas vou perder o avião se parar para tirar fotos. Nossa, não quero decepcionar".

    Mas minha escolha, disparada, para o primeiro posto vem de Oprah Winfrey: "Meu Deus! Tive um encontro surpresa com Jackie Jackson. O galã que era meu ídolo na adolescência. Tentei não falar nem comer demais. Fracassei nas duas coisas".

    Como disse Wittels: "Oprah, você não precisa se gabar. Você é Oprah".

    Mas há outro tipo de gabolice que precisa ser ainda mais criticado que a prática dos humblebrags, porque é mais comum e mais letal. Por falta de nome melhor, vou defini-lo como gabolice terceirizada, e consiste em repetir comentários favoráveis que outra pessoa tenha feito sobre você.

    A popularidade espantosa desse tipo de gabolice tem três motivos: não é tão repelente, porque não é você que está se gabando; parece quase objetiva; e o Twitter facilita muito a tarefa. Basta apertar o botão de retweet e, longe de ser visto como tosco, isso ainda tem a vantagem adicional de parecer um exercício de boas maneiras, já que reproduzir os tweets alheios serve como uma forma umbigocêntrica de agradecimento.

    Um praticante extremamente prolífico da gabolice terceirizada é o cientista britânico Richard Dawkins, que recorre a ela diversas vezes por dia. Enquanto eu redigia estes parágrafos, ele não conseguiu resistir à tentação de retransmitir o seguinte tweet de @jamieboyname: "Experiência maravilhosa ontem à noite, estar diante de duas das mais belas mentes do planeta @RichardDawkins e @LKrauss1".

    Como Witters, minha vontade é gritar: "Richard Dawkins, você não precisa se gabar! Você é Richard Dawkins".

    Fiquei tão alérgica a gabolice terceirizada que comecei a retirar da minha lista do Twitter qualquer pessoa que a pratique. Por isso, tchau, Richard Dawkins. E tchau também para Jack Welch, um sujeito que poderíamos esperar não precisasse de gabolice. Ele recentemente reproduziu um tweet de @SPPpresents: "@jack_welch, eu queria agradecer por me selecionar por narrar seu livro Real Life MBA. É bem escrito, divertido e envolvente!"

    Também removi diversos colegas de minha lista, ainda que dois deles devam receber uma segunda chance. Em um dos casos, a gabolice terceirizada tinha por origem a mulher do sujeito; o segundo retransmitiu comentários insultuosos sobre ele, e não elogios. Ainda que essa última prática seja apenas uma combinação entre gabolice terceirizada e gabolice por falsa humildade, decidi perdoá-lo, porque o insulto que ele reproduziu –o de que sua coluna era "uma ridícula bobagem"– era divertido.

    A popularidade da gabolice terceirizada traz a questão: por que as pessoas se rebaixam a esse ponto? Em parte é porque reproduzir tweets elogiosos é um carinho para o ego.

    Mas acarinhar egos não é o propósito da Internet, e sim o propósito das mães. Quando a minha era viva, eu ligava para ela sempre que alguém me elogiava, e falava longamente sobre o elogio. Do lado de lá da linha, eu só ouvia murmúrios de satisfação.

    Seguir uma pessoa no Twitter não é de maneira alguma ser mãe dessa pessoa. Quando o historiador Simon Sebag Montefiore reproduz o tweet "J'lem de @SimonMontefiore é um dos melhores livros que já li! Mal posso esperar o próximo!", eu não reajo com murmúrios de satisfação. Em lugar disso, resmungo como quem fosse vomitar e tiro o sujeito de minha lista no Twitter.

    Um motivo maior para a gabolice terceirizada não envolve alimentar egos, mas promover livros, palestras e coisas desse tipo. Mas será que um método assim gritante realmente funciona?

    A resposta, deprimente, é que aparentemente sim. Seth Godin, um sabichão do marketing, acaba de dedicar todo um post em seu blog a reproduzir elogios de terceiros. Temo ter sido a única pessoa a reagir mal –876 pessoas gostaram tanto do post que publicaram um link para ele no Twitter.

    A gabolice terceirizada expõe os seguidores como idiotas e os perpetradores como desavergonhados. No caso de Godin, que trabalha com marketing e é dos Estados Unidos –onde a atitude para com a gabolice é em geral mais robusta–, a prática pode fazer sentido. Mas e quanto a Dawkins? Será que a gabolice terceirizada prejudicou o considerável cérebro do cientista?

    Para descobrir, na semana passada escrevi um tweet que dizia "eu não sabia que @richarddawkins havia inventado o meme. Ele é ainda mais deus do que eu imaginava". Fiquei de olho para ver se ele reproduzia o tweet, mas diversos dias se passaram sem que isso acontecesse. Como resultado, sinto-me melhor sobre Dawkins. Mas agora estou vagamente ofendida. O que será que aconteceu, será que ele não gostou da minha mensagem?

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024