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    Lucy Kellaway

    Apps sobre desempenho profissional em tempo real nos tornarão rudes

    09/03/2015 11h42

    A maioria dos executivos é ruim em muitas coisas. Autoconhecimento. Falar inteligivelmente. Escutar.

    Mas a coisa em que eles são piores é dar feedback. Como resultado, vagueamos por nossas vidas profissionais sem que jamais sejamos informados como estamos nos saindo, ou pelo menos sem que sejamos informados disso de alguma maneira que nos permita melhorar. Para a maioria dos trabalhadores, há a tediosa e desanimadora dança da avaliação anual, e só.

    Na semana passada, ouvi falar de um app que podia mudar para sempre a forma pela qual recebemos feedback. O Impraise permite que você descubra instantaneamente como se saiu depois de cada reunião, ou, aliás, depois de qualquer atividade. Basta enviar um convite aos colegas pedindo que eles classifiquem anonimamente o seu desempenho, quanto a diversos pontos. Você falou de modo persuasivo? Respeitou a agenda? A informação é enviada diretamente ao seu celular, e exibida em uma série de pequenos e práticos gráficos.

    Na noite da quarta-feira passada, fiz uma palestra diante de uma sala repleta de colegas, e na manhã seguinte decidi testar o Impraise. Mandei a todo mundo que esteve na palestra um convite para que me dissessem como me saí, e me acomodei para esperar as respostas, me sentindo desconfortavelmente vulnerável.

    Com pressa quase indecente, as respostas começaram a surgir. E o resultado é que sou uma "superestrela", obtendo um oito como nota média. A notícia menos agradável é que esse número se baseia em uma amostra estatisticamente insignificante; a maioria das pessoas que assistiram à palestra não respondeu, porque estavam ocupadas ou não gostaram do meu desempenho mas não eram rudes o suficiente para dizer. Mesmo aquelas que me avaliaram solaparam o valor de seu depoimento ao me darem nota oito no quesito "ouve com atenção" Já que eu estava palestrando, não havia qualquer indicação de que eu tivesse ouvido alguma coisa.

    O fato de que o app tenha me ensinado coisa alguma sobre mim pode ser em parte por que não lhe ofereci chance suficiente. Mesmo assim, começo a ter dúvidas de que o sistema seja uma boa ideia. Ainda que a ideia de que colegas agora sejam capazes de se avaliar mutuamente de forma fácil e rápida pareça ótima, ela tem seu custo. É ruim o bastante participar de reuniões o dia inteiro sem que depois delas precisemos trabalhar ainda mais avaliando o desempenho de cada participante. Pior: eu não queria me ver a forçada a opinar interminavelmente sobre meus colegas. Não sou chefe deles, essa não é minha função, e não quero parecer rude.

    O app se baseia na percepção incorreta de que quando mais feedback, melhor. Ao contrário da maioria das pessoas que trabalham em escritórios, e recebem quase nada em termos de feedback, eu na verdade termino recebendo feedback excessivo. O "Financial Times" recentemente adotou um novo software que acompanha as reações dos leitores a cada palavra que escrevo, de uma dúzia de maneiras diferentes, e me permite comparar os resultados obtidos aos de meus colegas, semana a semana e até mesmo minuto a minuto. E o que descobri, como resultado do acesso a essa informação adicional?

    Se você dá a jornalistas inseguros a chave para informações como essas, eles perdem horas verificando obsessivamente como estão se saindo, e tentando criar um grupo de colegas diante dos quais suas estatísticas não pareçam tão ruins. Também descobri que os artigos que conquistam o maior tráfego não são necessariamente os melhores, mas sim aqueles que contêm no título palavras como "idiota", em lugar de, por exemplo, "sustentabilidade".

    Os comentários qualitativos que existem por sob as notas não são muito mais úteis. "Ótimo post!", ou "com certeza!" não me ajudam a escrever melhor, da mesma forma que comentários do tipo "não consigo acreditar que alguém pague para que você escreva essas asneiras!" Às vezes os leitores oferecem comentários mais interessantes do que aquilo que escrevi, mas isso não me ajuda muito, porque a coluna já está escrita.

    Não estou dizendo que o feedback é inútil; há ocasiões em que ele se prova surpreendentemente benéfico. Um ano atrás, dei uma palestra e depois dela recebi um e-mail no qual a pessoa se queixava de que eu jogava o cabelo a cada vez que punha ou tirava os óculos. Foi uma dica muito útil. Agora, se preciso ler alguma coisa durante a palestra, imprimo em corpo 28, para que não precise dos óculos.

    Filhos também são uma fonte excelente de feeedback. No mesmo evento, na semana passada, dois dos meus me procuraram depois da palestra para dizer que a. o crachá de segurança que eu usava pendurado ao pescoço era horrível, b. que eu tinha falado desconfortavelmente alto, e c. que eu poderia ter procurado obter um pouco mais de envolvimento da audiência. Observações úteis e excelentes, todas elas, mas que só são possíveis porque os envolvidos se conhecem e continuarão a se amar depois de oferecê-las e recebê-las.

    O bom feedback será sempre raro, com ou sem apps que nos ajudem a cuidar dele. Mas isso é menos desastroso do que talvez possamos imaginar, já que a maioria de nós no fundo sabe como está se saindo no trabalho, sem que outras pessoas precisem nos dizer. Eu sei quando uma palestra correu bem ou quando escrevi algo original. É verdade que algumas pessoas subestimam ou superestimam patologicamente o seu desempenho, ao insistir em que são maravilhosas ou absolutamente inúteis. Mas a resposta, no caso delas, não é mais feedback, e sim assistência psiquiátrica.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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