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    Lucy Kellaway

    Celebrar 30 anos no mesmo emprego é uma experiência bizarra

    20/04/2015 12h06

    Na semana passada, celebrei meus 30 anos de trabalho no "Financial Times" –"bodas de pérola". Por todo esse tempo, venho trabalhando no mesmo lugar, semana após semana, interrompida apenas por uma sucessão de licenças-maternidade –todas as quais já são parte do passado distante.

    Cinco anos atrás, quando eu estava trabalhando para o jornal há apenas 25 anos, escrevi uma coluna a respeito, concluindo que um período assim tão longo de emprego, ainda que tenha saído de moda, tinha mais de bom que de ruim. Para celebrar aquele aniversário, o "Financial Times" me presenteou com um cheque, e gastei o dinheiro comprando um bracelete de prata –que já perdi.

    Desta vez, eu havia planejado deixar a coisa toda passar em branco. Não haveria coluna e nem joias de prata. Há algo de ligeiramente vergonhoso em estar entre os jornalistas com mais tempo de serviço na empresa. Só me recordo de três outras pessoas que estão há mais tempo no "Financial Times", e uma delas tem a desculpa de ser o editor.

    Pior ainda, conversei recentemente com uma "gestora de talentos" que revelou que na grande empresa para a qual trabalha, 10 anos de serviço são vistos como o momento certo para começar a forçar a saída das pessoas, porque a essa altura de suas carreiras elas já estão fatigadas e perderam o pique e a ambição.

    Mas na quinta-feira passada eu estava pedalando a caminho do trabalho sob o sol do começo da manhã, como já fiz milhares de vezes, e quando passei pela catedral de St Paul me apanhei sentindo nada fatigada, e quase jubilosa. Warren Buffett, considerei, está há 50 anos na Berkshire Hathaway. Carol Loomis trabalhou 60 anos para a revista "Fortune". Eles provam que é possível trabalhar a vida toda para a mesma empresa sem se tornar um perdedor paradão e nada criativo.

    Quando cheguei ao escritório, e sem parar para pensar, disparei um e-mail para todos os funcionários convidando-os para comer bolo comigo naquela tarde, e perguntando o que 30 anos de trabalho queriam dizer para eles.

    Lealdade –combinada a estupidez, foi a resposta de um colega. Errado, logo pensei. A lealdade não tem nada a ver com isso. Eu teria sido alegremente desleal, mas isso jamais pareceu servir bem aos meus interesses. E porque as organizações de mídia para as quais eu poderia ter partido caíram em desgraça, ou se empobreceram, ou as duas coisas, posteriormente, estupidez tampouco parece ter sido o caso.

    Uma visão estreita, outro sugeriu. Ele trabalhou em diversos lugares e por isso considera ter uma amplitude maior. Mas será que amplitude é vantagem, em si? Certamente uma visão estreita não é problema se o trabalho continua a ser interessante e variado. Se a cada dia ou semana você precisa encontrar algo de cômico, curioso ou novo para um artigo, podcast ou vídeo, será que isso não é estímulo suficiente para durar uma vida profissional inteira?

    Um terceiro colega, também veterano da empresa, se queixou de que ficar no mesmo lugar significava se deixar envolver em política de escritório, e que as velhas feridas nunca param de doer. Possivelmente; ainda que eu veja a questão de forma inversa. Meu longo tempo de serviço me isolou da política, e isso significou que não precisei perder tempo descobrindo quem merece e não merece confiança, porque já sei disso.

    Ao escrever esta coluna, começo a sentir alguma rebeldia. Por que estou me desculpando e explicando? Se uma pessoa está casada há 30 anos, não sente a necessidade de se justificar. Estabilidade dessa ordem é universalmente admirada; é um sinal de que você fez suas escolhas sabiamente, e garantiu que elas funcionassem.

    Se não aprovamos promiscuidade em relacionamentos, por que a admiramos no trabalho? Conheço uma pessoa que trabalhou em cinco bancos de investimento diferentes em oito anos. A cada vez que ele voltava ao começo do tabuleiro, estava mais rico, o que é bom para ele, mas não entendo que isso seja admirável –e nem que confira amplitude.

    Hoje, passar 30 anos no mesmo emprego é uma ocorrência bizarra, e por isso a data deveria ser mais apreciada que nunca. No passado, passar tanto tempo no mesmo emprego significava que a pessoa era palerma demais para deixar um posto chatíssimo; e que o empregador era benévolo demais para demiti-la. Mas agora a maioria das empresas é relativamente meritocrática, e os incapazes são usualmente encorajados a partir e a levar sua falta de talento a qualquer outro lugar.

    Assim, 30 anos de trabalho para uma mesma empresa sugerem que a decisão de manter a união é mútua. Como disse um de meus colegas, meu aniversário no emprego só prova uma coisa: que tive muita sorte. Encontrei algo de que gosto, e que também gosta de mim.

    Assim, quando todo mundo se reuniu para o bolo, na quinta-feira, fiquei papeando com pessoas, algumas das quais conheço há 20 anos e outras que mal sei quem sejam. Ocorreu-me, então, que você não precisa procurar um novo empregador se deseja trocar de colegas. Se ficar parada no mesmo posto, os novos colegas virão a você.

    Perguntei a um jovem brilhante que foi contratado recentemente como ele se sentiria se continuasse a trabalhar no "Financial Times" dentro de 30 anos, e ele me olhou boquiaberto, sem palavras. Isso aconteceu em parte porque ele estava com a boca cheia de bolo, mas também porque não conseguia imaginar um período assim tão longo. E suponho que seja compreensível –afinal, naquele dia do segundo trimestre de 1985 em que apareci no "Financial Times" para meu primeiro dia de trabalho, ele nem era nascido.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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