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    Lucy Kellaway

    Seis crimes do chefe do Twitter contra o dicionário

    04/05/2015 12h07

    Os resultados do Twitter no primeiro trimestre foram decepcionantes. Não só porque os números foram ruins, ou porque vazaram –havia outra coisa de errado com eles que ninguém parece ter percebido.

    Em conversa telefônica com analistas na semana passada, o presidente-executivo da empresa pronunciou a seguinte sentença: "À medida que iteramos sobre a experiência em logout e realizamos a curadoria de tópicos, eventos e momentos que se desenrolam na plataforma, você deveriam absolutamente esperar que entreguemos essas experiências por toda a nossa audiência, o que inclui usuários logados e usuários de syndication".

    Se estivéssemos falando de um presidente-executivo qualquer, isso seria simplesmente má escrita. Mas Dick Costolo dirige uma companhia que fez fortuna promovendo a concisão. Assim, ouvir seu líder proferir platitudes ainda mais vazias que as dos concorrentes é mais que triste: é uma degradação da marca que ele comanda. Seria como descobrir que Christopher Bailey, da Burberry, na verdade compra todas suas roupas em segredo na Primark.

    Aqui, em uma sentença interminável, Costolo conseguiu usar o estoque completo das expressões inexatas que estão mais em moda entre os executivos. Em 287 caracteres, ele cometeu seis crimes comuns contra o dicionário e duas infelicidades gramaticais. A sentença resultante é tão cansativa que, quando o leitor chega ao fim, está exausto demais para voltar e determinar o que ela quer dizer.

    O primeiro delito é a palavra "iterar". Na vida real, o significado do termo é simplório –repetir. Lembro de aprender iteração, em matemática, e que isso não era nada divertido. O Google transformou a palavra em termo da moda com seu lema "lançar e iterar", e agora todas as empresas do Vale do Silício, e de outras paragens, abusam dele. A iteração é invocada sempre que alguém deseja dar a ideia de que é criativo, esperto e está trabalhando muito.

    O próximo termo usado indevidamente por Costolo é "experiência", do qual ele parece gostar tanto que até o usa duas vezes. Todos os produtos e serviços foram redesignados como "experiências", há muito tempo; mas o que impressiona aqui é o fato de que aquilo que ele descreve não é de maneira alguma uma experiência –na verdade, é o oposto de uma. Neste exato instante estou tendo a experiência de "logout" do Twitter, porque não estou no site. E posso lhes dizer que é um grande alívio.

    O terceiro clichê que ele emprega é o que está mais moda: falar em "curadoria". Se alguém usa a palavra "cura" e está falando de um pároco de igreja do passado, ótimo, e se o termo "curador" é empregado para descrever uma pessoa de considerável bom gosto que monta exposições em uma galeria de arte, também. Mas não há nada de ótimo em usar a expressão "curadoria" para descrever um algoritmo que seleciona determinados tweets banais de preferência a outros.

    E é ainda menos ótimo se ela é empregada quanto a "momentos". Recentemente, "momento" se tornou o período de tempo mais em moda, ainda que por definição eles durem apenas um momento, e portanto não seja possível torná-los curadoriais.

    O quinto crime é cometido com tanta frequência que temo que em breve venha a ser legalizado. Já protestei muitas vezes que o verbo "entregar" só deveria se aplicar a algo colocado em um furgão e entregue em sua casa por um sujeito de macacão marrom, mas ninguém ouve.

    De fato, no mundo dos negócios, ninguém mais "faz" alguma coisa. Todo mundo "entrega". Mas ainda assim Costolo se destacou por "entregar experiências não logadas", o que não só não pode ser feito por meio de um furgão como tampouco pode ser compreendido. Só David Cameron abusou mais do termo –no mais recente manifesto do Partido Conservador, o primeiro-ministro britânico fala em "entregar o mais longo congelamento de tarifas em 20 anos"– e assim emprega o termo "entregar" não para designar algo que esteja sendo feito, mas sim para designar o fazer nada.

    O crime final é "plataforma". Uma plataforma é uma superfície horizontal elevada. O que não descreve o Twitter.

    Tendo produzido seis substantivos e adjetivos usados indevidamente, Costolo também abusa das preposições que os acompanham. Em lugar de entregar a, Costolo opta por outro termo em moda, mas muito menos lógico, escrevendo sobre entregar "por toda a nossa audiência". Pior ainda, quando chega a hora de "iterar", ele bizarramente itera "sobre".

    Na semana passada, mostrei a sentença a um colega jovem que entende desse tipo de coisa. Ele a contemplou por algum tempo, e em seguida ofereceu a seguinte tradução: "Queremos ganhar dinheiro com as pessoas quando elas estão no Twitter –e quando não estão no Twitter".

    Isso sim eu consegui entender, por fim. E se tivesse estado entre os analistas que participaram da conversa, com certeza seria algo que eu aprovaria.

    Como ponto de comparação, acabo de verificar para ver como Costolo se expressa em sua "plataforma". Um tweet recente –muito "favoritado"– tem apenas cinco caracteres. "Jake," diz a mensagem, acompanhada por uma foto de um cachorro dormindo.

    Isso me levou a pensar em duas coisas. Primeiro, que aquele momento fofo talvez funcionasse melhor em uma "plataforma" rival, o Instagram. E segundo, que quando o assunto é transmitir uma mensagem compreensível, as pessoas preferem cachorros a cachorradas com o idioma.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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