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    Lucy Kellaway

    Devo denunciar um colega de trabalho que votou ilegalmente na eleição?

    01/06/2015 15h20

    Ouvi um colega, uma figura sênior do banco de investimentos onde trabalho, gabando-se para outro de ter votado duas vezes nas eleições gerais: uma em seu país de origem e outra em Londres, onde tem uma segunda casa. Isso me incomodou e também me preocupou, pois temo que seu desprezo pela lei possa acabar prejudicando nossa empresa. Devo denunciá-lo à Comissão Eleitoral, ou ao programa de "compliance", ou apenas deixar as coisas como estão? Operador de títulos, 58 anos

    Resposta de Lucy Kellaway

    Como você é um operador de títulos de 58 anos, suponho que já esteja no banco há algum tempo, que saiba o paradeiro de todos os corpos enterrados e uma ou outra coisa sobre esta figura sênior em particular.

    Como ele é? É do tipo de escorregadio, desertor, de quem seria de se esperar leviandade não só com a democracia, mas também com os acionistas, funcionários e clientes do banco? Se sim, a resposta é fácil. Denuncie-o a todos. À Comissão Eleitoral, ao programa de "compliance" e a qualquer outra pessoa que vier à sua mente. Você já o fez para mim e para os leitores, de modo que só lhe resta terminar o trabalho. O que de pior poderia acontecer? Possivelmente, ele vai ficar bravo, o "compliance" ficará muito intimidado, e a Comissão Eleitoral é burocrática demais para levar isso adiante. Você pode acabar sem emprego.

    Mas você realmente se importaria com isso? Você tem mais bagagem anterior na sua carreira de operador do que perspectivas futuras, portanto, certamente, pode arriscar. A menos que tenha um estilo de vida caríssimo, mas duvido que você seja dependente de seu salário para cobrir a hipoteca. Logo, você é mais livre do que a maioria das pessoas para fazer o que a sua consciência manda. A maior parte dos operadores de títulos não se aposenta como um herói para ninguém, exceto para seu gerente do banco. Você tem a chance de sair tendo feito algo corajoso e esplêndido.

    Se, por outro lado, esse homem foi de alguma forma, positivo para o banco, você deve lidar com isso de outra maneira. Nesse caso, diga a ele que o ouviu gabando-se de votar duas vezes e quanto isso o incomodou. Provavelmente, vai ficar constrangido e será arrogante.

    Também pode ficar furioso. É quase certo que terá vontade de se livrar de você, mas seu conhecimento sobre os crimes dele contra a urna tornaria essa tarefa complicada. Se ele tentasse fazer isso, você teria uma história fascinante sobre o que realmente aconteceu.

    O que você ganha ao confrontá-lo? Iria ensinar-lhe uma lição. Mas levar um chamado de alguém abaixo dele na hierarquia em uma questão moral e legal é algo que acontece tão raramente que ele se lembraria disso para sempre. É muito pouco provável que cometa o crime novamente.

    Sua resposta

    Conte ao presidente do banco. Gestão de riscos tem a ver com ter ganho máximo com risco mínimo. Não há ganho nenhum em ser um traidor e deveria haver uma pena definitiva se for pego. Foi algo estúpido de se fazer, mas muito mais estúpido foi se vangloriar disso. Eu teria sérias dúvidas sobre o julgamento profissional desta "figura sênior". Presidente de empresa (sexo masculino)

    Esqueça isso: ao contrário da negociação de títulos, a essência de um banco de investimento é apostar em produtos que podem ser logo retraídos. Anon

    Vivemos em uma democracia onde o direito de voto tem sido defendido no sangue. Há muitas coisas para as quais eu poderia fechar os olhos, mas não esta. Seu colega parece não ter preocupação com a sacralidade dos princípios democráticos e deve responder à lei. Pode ser um pequeno problema no grande esquema das coisas, mas a democracia tem um preço e qualquer gesto que a enfraqueça precisa ser respondido, para o bem da maioria. Denuncie seu colega com sua consciência limpa. Ex-soldado

    Que tolo você é. Realmente acredita que as leis para voto duplo (ou qualquer outro assunto relacionado a isso) se aplicam a você da mesma forma que a "uma figura sênior " em um banco de investimento? Vindo de uma cultura de impunidade –onde ninguém vai para a cadeia por nada– a verdadeira surpresa é que ele não votou três vezes. Gerente (sexo masculino), faixa dos 60 anos

    Por mais puros que sejam seus motivos, eu seria extremamente cauteloso ao dedurar alguém, já que o carma muito provavelmente virá mordê-lo. Consultor

    É claro que você tem a obrigação de denunciá-lo à Comissão Eleitoral. Sua consciência está certa. Você não deve permitir um colapso do sistema democrático. Como disse Edmund Burke: "Para o triunfo do mal, basta que os bons não façam nada."

    Se você está seriamente preocupado com a empresa, comunique ao programa de "compliance" também. Presidente-executivo (sexo masculino)

    Gente rica sempre vota três vezes: 1) para financiar os políticos que querem que concorram a um cargo; 2) para votar como todos os outros; 3) com os pés, se não gostam do governo que será eleito. Anon

    Por que um operador de títulos de 58 anos escreveria para a Lucy em vez de fazer calmamente o que ele acha que é certo? Aparentemente, ele não sabe, o que é muito revelador sobre os padrões morais em determinados locais de pregões. Anon

    Trabalho em uma média empresa no Reino Unido com muitas mulheres em cargos sênior, mas apenas velhos homens no tabuleiro. Quando um colega do sexo masculino felicitou um membro do conselho sênior pela clareza de sua argumentação, ele exclamou: "Bem, você tem que tornar a explicação muito simples quando ela é voltada para as mulheres." Não tenho nenhuma ilusão sobre a cultura machista do negócio. A questão é como faço para lidar com isso? Dizer alguma coisa ou fingir que não está acontecendo? Relações públicas profissional, sexo feminino

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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