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    Lucy Kellaway

    Por que não estar nem aí não vai atrapalhar seu caminho de sucesso

    15/06/2015 13h55

    Muito tempo atrás, quando eu era trainee em Wall Street, costumava entrar no metrô toda manhã, na rua 68, com um colega britânico que trabalhava no mesmo banco. Enquanto nos espremíamos no trem lotado, geralmente com um pouco de ressaca, eu fazia a mesma pergunta a ele.

    Você se importa com o quê, Neil?

    À qual ele sempre respondia: "Não estou nem aí para nada, Luce." Depois, nós dois ríamos.

    Neil não estava nem aí e, naquela época, eu tampouco. Ainda assim, essa despreocupação não atrapalhou o caminho de seu sucesso.

    No devido momento, ele deixou o banco e se tornou cofundador de uma empresa que, em seguida, vendeu a Sir Martin Sorrell. Ele foi o primeiro dos meus amigos a ficar muito rico e o primeiro a organizar sua vida exatamente como lhe convinha. Hoje, preside diversas grandes organizações e investe em pequenos negócios. Pelo visto, ele é realmente muito feliz.

    Naquela época, éramos jovens e bobos e vivíamos em um tempo em que era bacana vangloriar-se de não se importar [com o trabalho]. Agora, o mundo mudou e isso se tornou um tabu. Preocupar-se com o trabalho não apenas é considerado vital para o sucesso, mas tornou-se um estranho símbolo de status. Qualquer um que não dê a mínima é logo aconselhado a ficar quieto e fingir que é tão apaixonado por aquilo quanto todos os outros.

    Eu culpo Steve Jobs por isso, com seus dois lemas equivocados: "não se contente" e "ame o que você faz". Graças a ele, preocupar-se agora é obrigatório. Supostamente, é bom para nós, já que reforça nosso respeito próprio, e é bom para os empregadores, já que melhora os resultados.

    Na semana passada, James Altucher, empreendedor, escritor e gestor de fundos hedge, fez uma coisa ultrajante. Postou na internet uma versão estendida da minha antiga conversa com Neil —um post de 2 mil palavras chamado "O que acontece quando você não se importa".

    Altucher acabou se convertendo tardiamente ao "não se importar". Foi há cinco anos, quando ele tinha 42. Desde então, descobriu que todo tipo de coisas boas emanam desse comportamento.

    Para começar, você não precisa forçar os outros a ouvi-lo. Tampouco fica chateado quando as pessoas te atacam ou quando você descobre que não pode mudar o mundo —porque ele é grande e você é pequeno. Não se importar, diz, significa que, quando ele perde todo o seu dinheiro, o que acontece com frequência, não liga: sabe que pode ganhá-lo de novo facilmente.

    O único problema do blog dele (para além da sua conclusão fraca e estranha, "Quando crescer, quero ser um menino outra vez") é que Altucher é tão excêntrico que não fala pelo resto das pessoas que não ganham e perdem fortunas, mas recebem pagamentos mensais.

    No entanto, para escravos assalariados o mesmo se aplica —talvez até mais. Se olho ao redor, para os meus próprios colegas, aqueles que lidam pior com os danos da vida do trabalho são os que se importam demais. Eles ligam para o que as pessoas pensam. Preocupam-se se não são chamados para uma reunião. Preocupam-se quando seus artigos não são promovidos. Ficam envolvidos demais com tudo.

    Esse tipo de preocupação é muito improdutivo. Levam as pessoas à loucura e realmente não vejo como o empregador fica mais rico com isso. A regra para todos os empregados deveria ser parar de se preocupar com aquilo que está fora do seu controle. Então, quando nossos chefes estabelecem uma nova inciativa estúpida de gestão, não há sentido em fazer outra coisa que não olhar isso como uma espécie diversão individual.

    Mas e quanto ao trabalho em si? Devemos certamente nos preocupar com ele? Importar-se, afinal, pode motivar —embora apenas até certo ponto. A despreocupação meio infantil de Neil e eu durante todas essas décadas nos tornou banqueiros podres. Era destrutivo e não profissional e, em geral, não é algo a se recomendar. Mas preocupar-se demais é igualmente problemático. Como escritora, acho que preocupação demais torna minhas palavras confusas, não espontâneas, e me deixa tão envolvida com o assunto que corro mais risco de escrever algo estúpido. Um pouco de distanciamento me torna uma jornalista melhor.

    Trabalho com um colega inteligente que me impressiona como modelo a ser seguido. Ele faz um trabalho excepcional, porém, lembra meu amigo Neil. Ele não leva nada a sério demais, e, lá no fundo, suspeito de que ele não está nem aí. Quando eu disse isso a ele, o homem ficou vermelho escarlate.

    "Eu me preocupo profundamente com o fato de não ser capaz de manter uma cara de pôquer melhor", disse.

    Então, enviei um e-mail a Neil, apenas para ter certeza. "Com o que você se importa?", perguntei.

    Ele me respondeu dizendo que, atualmente, está aí, sim - ao menos para sua família e amigos.

    No trabalho, ainda havia três coisas com as quais ele não se preocupava. Coisas que não importam. Coisas que tomam muito tempo. E coisas que envolvem puxar o saco de alguém.

    Como guia para sobreviver no mundo corporativo mantendo a sanidade mental, esse é o melhor que existe.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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