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    Lucy Kellaway

    Memorando de CEO para o Ano-Novo é clássico da desmotivação

    18/01/2016 12h03

    Uma das coisas mais previsíveis em janeiro, quando somos escravos do salário, é o memorando motivacional de Ano-Novo, que aparece na caixa de e-mail, enviado pelo presidente-executivo.

    Às vezes, a mensagem é curta e, às vezes, longa. De qualquer forma, sempre traz a mesma questão. Ela diz: eu sou maravilhoso(a), você é (um pouco menos) maravilhoso(a), juntos somos maravilhosos —mas se você pudesse se esforçar para trabalhar com um pouco mais de afinco, seríamos ainda mais maravilhosos.

    Apesar de sua onipresença, esses e-mails são sempre inúteis. Nunca um funcionário trabalhou melhor ou se sentiu mais comprometido por causa da força de um memorando enviado em massa por um CEO. Isso simplesmente não acontece.

    Além de não serem capazes de motivar, essas mensagens podem fazer o contrário.

    Na quinta-feira passada, o presidente-executivo da Deloitte Global, Punit Renjen, enviou saudações de Ano-Novo para sua equipe com o seguinte título, nada promissor: "Vamos trocar nossas resoluções: vivendo o nosso objetivo #12".

    Depois de obter uma cópia, eu li e, de imediato, ri. Mas então li novamente —e novamente. Renjen escreveu algo tão feio, tão vazio e tão absolutamente estúpido, que é difícil continuar rindo.

    A Deloitte emprega mais de 220 mil pessoas. Ela aconselha grandes empresas, que pagam grandes somas por seus serviços. É um pouco preocupante que o presidente diga coisas como essas, sem sentido. Muitas das pessoas que trabalham lá são brilhantes, mas qualquer um que tenha um QI normal leria a mensagem e não poderia deixar de se perguntar o que está fazendo trabalhando lá.

    O memorando parte de um começo irrepreensível, embora cafona: "Dissemos 'Olá, 2016!", e agora é hora das resoluções." A resolução do próprio Renjen é "entregar uma experiência de talento global, excepcional e consistente em toda a rede Deloitte".

    Há três coisas de errado nela. Em primeiro lugar, tem várias das palavras de que menos gosto - experiência, entregar e talento. Em segundo lugar, é puro hype. Ninguém pode ser excepcional o tempo todo. A questão em excepcional é que isso só acontece excepcionalmente.

    Pior, Renjen não deixa claro exatamente o que ele está determinado a fazer. O que é uma "experiência de talento global"? Quem deve ter tal experiência? É o "talento" em si? Será que todos nós deveríamos estar tendo experiências de talentos globais quando realizamos nossas tarefas diárias? Eu, sinceramente, espero que não.

    Depois de falar de sua resolução, o chefe da Deloitte conduz sua equipe a uma floresta de disparates tão densa e escura, que provavelmente eles nunca vão sair dela novamente.

    "Essa promessa" —continua ele— "é articulada por meio de quatro pilares fundamentais: 1) ajudar vocês a causar impacto; 2) inspirá-los como profissionais; 3) acelerar suas ambições e 4) conectar e celebrar suas forças únicas (em breve escrevo mais sobre esses pilares)."

    "Por favor, chega" eu pensaria se trabalhasse lá. Não quero que as minhas ambições sejam aceleradas.

    Só no último pilar fundamental é que Renjen lança algo importante. Sempre gosto de ter meus pontos fortes únicos comemorados – ainda que eu ache que ele não planeje fazer nada do tipo.

    Ele continua: "Portanto, não importa onde você pratica, você tem as mesmas habilidades excepcionais que seus pares."

    O que ele parece dizer é que todos na Deloitte, seja o cargo da pessoa qual for, são mais do mesmo. Isso pode ser verdade, mas não é muito único nem muito excepcional.

    Em troca da entrega de seus quatro pilares fundamentais articulados, Renjen pede a seus funcionários que o recompensem resolvendo "viver o objetivo de Deloitte e juntar-se à nossa jornada para a liderança incontestável".

    Acho que o que ele realmente quer é que todos trabalhem com mais afinco. Não vejo por que isso requer uma jornada, especialmente uma jornada que leva a um destino de fantasia. Você não precisa de capacidades excepcionais para entender que a Deloitte nunca vai alcançar uma liderança incontestável. Trata-se de um mercado muito competitivo, com três rivais poderosos, que recrutam exatamente o mesmo tipo de gente e fazem o mesmo tipo de trabalho.

    Em vez disso, a Deloitte devia procurar ser pelo menos tão boa quanto a concorrência: se ela conseguisse fazer isso de forma consistente, seria invencível.

    O mais fantasioso de tudo é a maneira pela qual Renjen acha que vai conseguir seu objetivo ridículo. Fazendo todos assinarem a "Declaração da Jornada da Deloitte". Até agora, diz ele, há mais de 7.400 signatários – o que soa como um monte de bajuladores quando você faz as contas e conclui que cerca de 213 mil pessoas não assinaram.

    Acho que elas não serão tentadas a fazê-lo pela frase final: "Vamos aproveitar esta jornada para que possamos orgulhosamente declarar que mantivemos nossas promessas para nós mesmos, uns para os outros, e para todos aqueles a quem servimos."

    O e-mail é assinado: meus melhores votos, Punit.

    Bem, Punit, se esses são seus melhores votos, temo por você – e por sua empresa.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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