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    Lucy Kellaway

    Aforismos estúpidos da cúpula vazia de Davos

    01/02/2016 12h12

    Você pode sempre ir mais rápido do que pensa que pode.

    As palavras não são minhas. São de Meg Whitman, presidente-executiva da HP. Ela as pronunciou cerca de 10 dias atrás, em Davos, onde foram devidamente anotadas e publicadas em uma coleção de citações de líderes mundiais durante o evento.

    Admiro o aforismo de Whitman pela sua sintaxe simples e pelas palavras agradáveis e curtas. O único problema dele é que não tem nenhum sentido. Muitas vezes, nos negócios, você não pode ir tão rápido quanto inocentemente acha que pode. Quando tenta, pode tropeçar e cair - e, entre todas as pessoas, Whitman é a que mais deveria saber disso. Se seu antecessor na HP não tivesse sido tão apressado em comprar a Autonomy, teria livrado a empresa de um grande problema.

    As outras 35 citações são quase todas tão sem sentido quanto essa. Variadamente estúpidas ("A quarta revolução industrial deve ser uma revolução de valores"), bobas ("Vamos colocar nossos óculos do otimismo") ou vazias ("Não somos os prisioneiros de um futuro predeterminado").

    Quando li pela primeira vez a coleção, pensei que era uma sátira. Então, pensei que as citações eram reais, mas haviam sido selecionadas maliciosamente para fazer seus falantes parecerem tolos. Agora, descubro que foram especificamente escolhidas pelo Fórum Econômico Mundial não como as coisas mais estúpidas que pessoas famosas disseram em Davos em 2016, mas como as mais inteligentes.

    Mais inquietante ainda – uma vez que Davos é mantido com dinheiro corporativo – cada citação dedicada a negócios não é apenas vazia, mas está errada. Marc Benioff, CEO da Salesforce, continua de onde Whitman parou ao declarar: "A velocidade é a nova moeda de negócio". Pelo contrário, não há nenhuma evidência de que os negócios estejam se acelerando. De acordo com um artigo da "The Economist" deliciosamente sensato, os negócios nos EUA estão tão lentos como sempre foram.

    Ainda mais idiota foi a seguinte, de Emma Marcegaglia, presidente da Eni, grupo italiano de petróleo e gás. "Precisamos de menos regulamentação e mais inovação na Europa." Dizer que a regulamentação é ruim por si só e que a inovação é boa é perigoso e idiota. Se você opera centrais elétricas potencialmente letais, a regulamentação me parece algo muito bom.

    No entanto, o prêmio para a citação mais sem sentido vai para Dan Schulman, presidente do PayPal, que disse: "O maior impedimento para o futuro sucesso de uma empresa é o seu sucesso no passado". Pelo contrário, o sucesso do passado é o único indicador mais confiável de sucesso no futuro. Ele forma a base da valorização das empresas no mercado de ações; sugere que uma empresa emprega bons funcionários; que tem bolsos fundos, que pode levantar dinheiro de forma mais barata e que pode se dar ao luxo de correr grandes riscos. Schulman realmente acha que o Yahoo vai triunfar enquanto o Google vai cair?

    As citações são ruins quando os líderes focam em temas que conhecem. Mas quando se desviam para outras áreas, são ainda piores. "Cada país precisa de um ministro do Futuro", insiste Benioff. Não, não precisa: como qualquer política está relacionada ao futuro, não há absolutamente nenhuma necessidade de um departamento especial para isso.

    Christine Lagarde é desonesta o suficiente em seu próprio território – "Um grau de volatilidade é OK. O mercado, no final, resolve as coisas.", diz ela, ignorando a evidência dos últimos oito anos – mas é ainda mais desonesta quando se afasta da sua zona de conhecimento. "Nós ouvimos muito sobre a Internet das Coisas – acho que precisamos de uma Internet das Mulheres", afirma ela corajosamente. Isso é uma piada? A questão da Internet das Coisas é que geladeiras e torradeiras têm pequenos chips nelas para que possam conversar entre si. Será que a chefe do FMI está sugerindo que as mulheres precisam de chips nelas para que possam conversar também?

    Mas o maior disparate de todos vem de David Cameron: "Quero incentivar a competitividade dentro da União Europeia." Não cabe a ele querer fazer isso; é vantajoso para seu eleitorado que outras empresas da UE sejam menos competitivas do que as britânicas.

    O que estamos concluindo a partir desses chavões inúteis? Será que eles provam que os líderes mundiais são tolos? Nem um pouco. Acho que estabelecem a verdade de uma nova lei que me foi proposta recentemente por um funcionário inteligente da Comissão Europeia. Ele notou que a quantidade de disparates que se falava estava sempre em proporção direta com o tamanho da plateia.

    Líderes de empresas gostam de falar para grandes plateias, pois é bom para seu prestígio. Da mesma forma, eles sabem que é ruim não dizer nada de novo ou interessante para tantas pessoas, uma vez que significaria fazer algo para nada. Todos os outros oradores importantes relutam igualmente em lançar pérolas aos porcos e assim perdoam uns aos outros por seus chavões maçantes.

    Os idiotas não são os oradores vazios. Não são nem mesmo as pessoas na plateia que deram os olhos da cara para ouvir nada - já que seu próprio prestígio é reforçado simplesmente por estarem lá. Os únicos idiotas são pessoas como eu que olham para as citações e que estão indignados por encontrá-las em uma coleção vazia de disparates bien pensants.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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