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    Lucy Kellaway

    Uma resposta à moda antiga a uma ameaça retrô de um anunciante

    08/02/2016 20h16

    Na semana passada, recebi um e-mail de Henry Gomez, diretor de marketing e comunicações da empresa Hewlett Packard, opondo-se a uma coluna que escrevi na semana anterior. Nela, eu tinha repetido o conselho que sua chefe, Meg Whitman, deu à plateia em Davos – "você sempre pode ir mais rápido do que pensa que pode" – e eu afirmei que não, você não pode. Às vezes, quando você vai mais rápido, você pode tropeçar e cair.

    O tenente de Whitman me disse que estava "desapontado" com o que eu tinha escrito, incluindo uma observação "sarcástica" na compra da Autonomy, feita por seu predecessor. Ele me assegurou que eu tinha "descaracterizado" as declarações de sua chefe, que era a "líder de uma das maiores empresas de TI do mundo" e tinha uma "perspectiva bem fundamentada" na gestão da mudança. Então, caso tais afirmações sobre sua importância não surtissem efeito, ele terminou com uma ameaça: "A gerência do FT deve considerar o impacto de vieses inaceitáveis ​​em suas relações com os anunciantes."

    Havia muito tempo que eu não recebia agressões desse tipo. Quando comecei no jornalismo, esse tipo de coisa acontecia o tempo todo – sempre que um presidente-executivo não gostava do que tinha sido escrito, era bastante provável que ele pegasse o telefone, gritasse e ameaçasse a pessoa.

    Depois, após a invenção das Relações Públicas, a gritaria parou. Se você ofendesse o capitão de alguma indústria, um lacaio iria convidá-lo para um farto almoço para que ele pudesse lhe dizer o quão maravilhoso ele era. No espaço de uma década, fui a muitos almoços e cafés da manhã penitenciais, envolvendo tantos sorrisos amarelos que sinto quase uma nostalgia das broncas à moda antiga.

    No entanto, mesmo essas refeições sombrias estão no passado. A forma mais popular de lidar com jornalistas cansativos ou com conflitos de qualquer espécie é o silêncio. Os negócios se tornaram inteiramente passivo-agressivos.

    Nesse espírito, eu me sentei para escrever uma resposta a Gomez. "Caro Henry", escrevi. "Obrigado por sua mensagem, que li e registrei."

    Olhei para o que eu tinha escrito, deletei "e registrei" e digitei "com interesse" no lugar. Terminei com "Atenciosamente, Lucy Kellaway" e cliquei em enviar.

    No entanto, assim que fiz isso, uma onda de tristeza tomou conta de mim. A proibição de conflito aberto no trabalho e a substituição disso pelo silêncio e pela agressão passiva não é uma coisa boa. Às vezes faz sentido não subir o tom. Outras, não. O custo de toda essa retenção pode tornar as pessoas pesadas e rancorosas com todas as queixas que nunca são faladas.

    Assim, com esta coluna, estou retirando minha primeira resposta a Gomez, e, no lugar dela, escolhendo a versão libertadora e agressiva. Ele foi agressivo comigo. Estou devolvendo o favor.

    Mais do que isso, estou escolhendo ter essa luta em público, não apenas porque suspeito de que os leitores estejam tão carentes de conflito aberto em suas próprias vidas profissionais que vão gostar de testemunhar uma briga. A razão mais importante é que isso é algo com que eu me importo. Minha resposta é mais ou menos assim:

    Caro Henry,

    Quero pedir desculpas pela falta de sinceridade do meu último e-mail. Não agradeço por sua mensagem, que eu achei – para usar a mesma palavra usada por você – decepcionante.

    Você diz que a gerência do FT deve pensar em "vieses inaceitáveis" e sua relação com os anunciantes. Meu artigo não foi tendencioso e temo que você não tenha entendido nosso modelo de negócio. É a firme recusa dos meus editores em considerar o impacto de histórias nos anunciantes que nos torna o jornal decente que somos. É por isso que quero continuar a trabalhar aqui. É por isso que o FT continua me pagando.

    Em segundo lugar, o senhor parece pensar que sua chefe tem que estar certa, porque ela dirige uma grande empresa e tem conhecimento sobre reestruturação. Na minha experiência, pessoas em cargos altos, ocasionalmente, dizem coisas um pouco ruins. Então, aponta-las não é apenas o meu trabalho como colunista, mas também o seu, como membro da equipe de primeira linha dela.

    Em terceiro lugar, vejo que você está no comando do marketing e da comunicação. A segunda função significa que você tem é ajudar sua empresa a passar uma boa imagem para a mídia e para o mundo. O seu e-mail não consegue fazer isso.

    E o mais preocupante de tudo, como chefe de marketing, é provável que o senhor tenha interesse em assegurar que a mensagem publicitária da empresa atinja o público certo. Pressupondo que a decisão de anunciar no FT estava certa originalmente, pareceria loucura – e não me parece do interesse dos acionistas – mudar o curso baseado em ressentimento.

    É evidentemente possível que o senhor não seja o culpado por nada disso e que a ordem tenha vindo de cima. Quero pensar bem de Whitman. Adoro o eBay, que ela tornou grande. Ela pode ter dito algo tonto em Davos – e, como disse em minha coluna, estava muito bem acompanhada lá - então, não quero acreditar que sua chefe tenha lhe dito para escrever para mim. Por favor, me diga que não foi isso.

    Meus melhores votos,

    Lucy.

    Tradução de MARIA PAULA AUTRAN

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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