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    Lucy Kellaway

    Quebrar o braço: meu método para trabalhar mais

    18/04/2016 11h37

    Duas semanas atrás, eu estava pedalando de volta para casa depois de uma visita ao meu pai, que tem 90 anos de idade e havia levado um tombo e quebrado a bacia. Era uma bela noite de primavera, minha bicicleta tinha acabado de passar por uma revisão e eu estava pedalando rápido, sentindo-me grata por não ser uma anciã frágil e imobilizada.

    Lá pela metade de Dalston Lane, o hipster que estava pedalando à minha frente tentou fazer uma curva rápido demais, perdeu o controle de sua bicicleta e caiu, bem sob minha roda da frente. Tomei um susto, tentei desviar e acabei caindo também.

    Minha sensação, caída no asfalto, era de déjà vu. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi: lá estava eu envolvida em um acidente de bicicleta –de novo.

    Os leitores desta coluna talvez também estejam sentindo uma sensação de déjà vu. Não é a primeira vez que eles têm de ler sobre uma queda que sofro enquanto uso meu meio de transporte favorito. Quando cheguei ao trabalho no dia seguinte, um colega olhou para o meu braço, pendendo fragilmente de uma tipoia, e comentou: "Que irritante! Você não pode nem fazer disso uma coluna, porque já escreveu sobre o assunto".

    Naquele momento, eu concordei. Mas passadas duas semanas, mudei de ideia. Desta vez é diferente. A bacia quebrada do meu pai e o meu braço quebrado me ensinaram duas lições sobre como fazer mais, lições tão profundas que tenho o dever de compartilhá-las.

    Quando despenquei da bicicleta no ano passado, caí de cara no chão, fiquei com o olho roxo e terminei com arranhões e machucados na testa, bochecha e queixo. O tema da coluna que escrevi naquele momento era como fingir ser uma mulher profissional quando a sua aparência é a de uma vítima de violência doméstica. O artigo agora me parece de interesse restrito, ainda que eu tenha recebido um e-mail de uma mulher que caiu da bicicleta, perdeu sete dentes e foi trabalhar no dia seguinte porque tinha de presidir a uma reunião.

    Desta vez, o que aprendi tem interesse mais amplo. As duas fraturas estabeleceram duas leis de produtividade que contrariam a intuição e podem ser usadas por todo mundo.

    A primeira lei eu mesma inventei, e dispõe o seguinte: se você desacelerar a tecnologia, termina indo mais rápido.

    Tive uma pequena fratura no topo do meu braço direito, o que significa que posso mover o pulso e os dedos mas o braço tem de ficar rente ao corpo, o que só me permite digitar muito devagar. Em lugar de ser um desastre para alguém que passa o dia inteiro no teclado, isso me fez escrever de modo mais eficiente do que vinha sendo o caso há anos.

    Porque digitar é difícil, estou tendo de praticar uma técnica que esqueci há muito, a de pensar antes de escrever –o que era um requisito básico na época das máquinas de escrever manuais, quando as dificuldades criadas pelo uso do líquido corretivo significavam que era melhor acertar logo da primeira vez. Hoje, graças à tolerância infinita do computador por erros, não me incomoda errar 20 vezes antes de enfim tomar jeito e escrever algo inteligível.

    Embora minha mão direita esteja, mal e mal, à altura de digitar, operar um mouse é impossível, e tive de transferir essa tarefa à mão esquerda –que é totalmente incapaz dela. Descobri agora que clicar em qualquer coisa que seja me faz parecer um candidato em "The Golden Shot", um programa de TV britânico dos anos 1970 no qual um câmera vendado, e portando uma besta, é orientado por um participante sobre para onde deve apontá-la: um pouco para cima. Pare. Um pouco para esquerda. Pare. Um pouco para cima... Colocar o maldito cursor em posição é tão complicado que "multitasking" perde toda a graça. Não há tentação de passar o dia saltando do e-mail ao Twitter, de lá ao eBay, e de volta. Tenho de escolher uma tarefa e me concentrar nela.

    Descobri essas alegrias do modo mais difícil, mas não vejo por que não desfrutar delas sem cair da bicicleta. Qualquer pessoa pode operar o mouse do lado errado –ainda que seja meu dever avisá-la de que o aprendizado é tão difícil que minha mão esquerda depois de alguns dias parece ter começado a se acostumar à tarefa, o que derrubou minha produtividade.

    Uma solução mais permanente é necessária. Os fabricantes de hardware deveriam tomar como missão a produção de tecnologia desajeitada para escritórios –teclados antiergonômicos e mouses tão difíceis de pilotar quanto carrinhos de supermercado–, o que voltaria a fazer de nós os senhores de nossos computadores, em lugar do contrário.

    A segunda norma de produtividade que contraria a intuição não é inteiramente invenção minha. C Northcote Parkinson foi o primeiro a perceber a incontestável verdade de que o trabalho se expande para ocupar o tempo disponível. Mas, nos últimos dias, eu venho encolhendo o tempo de maneira tão drástica, muitas vezes largando as ferramentas às 16h para visitar meu pai, que estou começando a imaginar se Parkinson talvez não tenha sido moderado demais em suas conclusões. Se você reduzir suas horas de trabalho, você pode não só produzir a mesma coisa, mas talvez produzir mais.

    O que consigo fazer em quatro horas quanto estou inspirada é mais do que faço em dez quando não estou.

    Uma vez mais, ninguém precisa de um pai com uma fratura de bacia como estímulo para picos de trabalho intenso. Mas precisamos de alguma coisa –qualquer coisa– em nossas vidas que tenha mais direito ao nosso tempo do que o trabalho, para nos levar a correr e concluir as tarefas rapidinho.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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