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    Lucy Kellaway

    A pretensa democracia dos presidentes de empresas no Twitter

    06/06/2016 10h11

    Em 2009, escrevi uma coluna zombando dos esforços iniciais dos executivos no Twitter e aconselhando-os a desistir.

    Passados sete anos, eles ignoraram espetacularmente o meu conselho. Uma pesquisa da escola de gestão Insead revela que 80% deles estão nas redes sociais —pela excelente razão de que os clientes e funcionários parecem ter opinião melhor sobre os executivos que o façam.

    A Insead compilou um ranking mundial de 20 dos mais influentes presidentes de empresas que têm presença no site, e eu decidi estudar a lista em busca de dicas sobre como fazê-lo da maneira certa. O líder é Tim Cook, que tem 2,6 milhões de seguidores e cujas mensagens geram muitos retweets. Ele sabe o que está fazendo, dizem os pesquisadores, porque aquilo que escreve é pessoal. O que parece bom —até que você leia seus tweets.

    No mês passado, ele escreveu: "Um dia inspirador caminhando pelo @YosemiteNPS. Tiro o chapéu para o Serviço de Parques".

    A mensagem vinha acompanhada por um par de fotos cafonas de montanhas e cachoeiras. Essa mensagem chocha evidentemente é aquilo que passa por expressão pessoal, na terra dos presidentes de empresas: ela recebeu "likes" de quase seis mil pessoas.

    Ainda mais tediosa era uma mensagem postada alguns dias antes: "Rápida visita aos clientes e à nossa fantástica equipe na Apple Store, Mall of the Emirates. Obrigado, Dubai!" Os membros da fantástica equipe podem ter ficado animados com a mensagem, mas o que 3,9 mil pessoas encontraram para gostar no tweet é difícil dizer.

    Enquanto eu lia as mensagens de Cook, percebi duas coisas: primeira, seus tweets mais populares eram os que tratavam de mortes. Prince, Andy Grove, Bill Campbell, Harper Lee, as vítimas do terremoto do Equador e do atentado terrorista em Bruxelas receberam, todos, os votos de Cook para que descansassem em paz.

    Segunda, esse campeão dos tweets é qualquer coisa que não prolífico. Ele postou 40 mensagens este ano, não segue praticamente pessoa alguma e não repete tweets alheios. Eu costumava pensar que os presidentes de empresas deveriam evitar o site porque frequentá-lo representaria perda de tempo, mas Cook prova que você pode ser o número um e ainda assim dedicar apenas cinco minutos por semana a fazê-lo. Ele também prova que a democracia do Twitter é uma farsa. Como tudo mais, ela também funciona de cima para baixo.

    O segundo executivo mais influente no site é Bill Gates, que tampouco segue muita gente e ocasionalmente oferece aos seus 29 milhões de seguidores uma migalha qualquer sobre um livro de matemática que leu. É como se ele estivesse lançando pérolas aos porcos, porque uma porcentagem baixíssima de seus seguidores repete ou curte suas mensagens.

    O terceiro colocado é Elon Musk, que, ao contrário dos dois primeiros, me parece trabalhar muito bem no Twitter. Ele posta imagens de seus foguetes voando, com tweets jubilosos como "Wohoo!!" ou "o empuxo do Falcon Heavy vai ser de 2.3 mi de kgf no lançamento —o dobro de qualquer foguete atual. Que fera..." Ele é acerbo, divulga notícias e encara brigas. Infelizmente, não muitos outros presidentes-executivos poderiam copiá-lo, porque lhes faltam personalidade ou foguetes.

    Exceto, claro, Sir Richard Branson, o quinto nome da lista. Ele sabiamente se recusa a postar tweets sobre a infortunada Virgin Galactic, limitando-se a veicular fotos que o mostram sorridente, acompanhadas por palavras como "fale menos, sorria mais. Se todos fizessem o mesmo, o mundo seria mais feliz".

    No sexto lugar está Rupert Murdoch, que costumava cometer o erro elementar de postar suas opiniões sobre as coisas. O que acontecia, no caso, é que pessoas ousavam discordar, e por isso, em março, no dia em que se casou com Jerry Hall, ele digitou o seguinte: "Sem tweets por 10 dias, ou para sempre! Sinto-me o homem mais sortudo E mais feliz do mundo!" E isso foi a última coisa que seus seguidores ouviram dele.

    Todos esses são péssimos exemplos para os executivos comuns, porque se trata de empreendedores absurdamente famosos - ou de sujeitos que presidem a Apple. O único presidente-executivo comum a entrar na lista dos 10 mais é Satya Nadella, da Microsoft. A fórmula dele é intercalar rajadas de jargão empresarial —"ótima parceria com a @Citrix para ajudar os clientes a acelerar suas transformações digitais " —e hashtags e lemas motivacionais idiotas. "Sexta de sorte... bom lembrete sobre exercitar uma #mentalidadedecrescimento", ou "mentes são como paraquedas: só funcionam quando abertas".

    Marissa Mayer, a única mulher entre os 20 nomes no topo da lista, mostra que é possível usar o Twitter com mais sucesso. Em abril, ela postou dois tweets sobre os resultados do Yahoo: o primeiro contendo apenas os números, e o segundo com uma foto de suas bebês gêmeas. O segundo tweet, que veio mais tarde e tinha valor noticioso zero, recebeu quatro vezes mais apreciação que o primeiro.

    Assim, eis a lição dos 20 mais: se você não é um nome famoso ou lança foguetes ao espaço, e se não passa do presidente-executivo de uma vasta empresa, não faz sentido usar o Twitter, a menos que você esteja disposto a explorar seus filhos.

    Isso talvez não importe muito, porque é perfeitamente possível ter imensa importância no mundo dos negócios sem estar no Twitter. Jamie Dimon consegue. O mesmo se aplica a Lloyd Blankfein.

    Para qualquer presidente-executivo que ainda assim decida arriscar a sorte, Warren Buffett é um bom exemplo. Ele tem mais de um milhão de seguidores, mas postou apenas um tweet este ano —para informar que a assembleia geral dos acionistas de seu grupo, o Berkshire Hathaway, seria pela primeira vez transmitida ao vivo via Internet. O que pode ser alguma coisa que as pessoas realmente desejam saber.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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