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    Lucy Kellaway

    A retórica extraordinária do parlamentar Sir Philip Green

    20/06/2016 11h14

    Sir Philip Green é, de algumas maneiras, meu homem ideal.

    Na quarta-feira passada, ele foi questionado durante quase seis horas por parlamentares britânicos sobre a venda da BHS, os desafortunados pensionistas da companhia, sua situação tributária e seu caráter. Eu não consegui assistir à coisa toda porque o lado tosco dele é um peso grande demais, e por isso optei por ler a transcrição. Ao considerar as palavras de Green, divorciadas do mau humor e dos pigarros irritantes, um pensamento nada agradável me ocorreu: Sir Philip usa o idioma da maneira que eu gostaria que todo mundo usasse, no mundo dos negócios.

    As sentenças dele são curtas. Suas palavras em geral tem uma ou duas sílabas. Ocasionalmente, a falta de uma educação formal o deixa na mão, e ele emprega demais a expressão "assim espero", mas, isso à parte, ele é o exemplo mais perfeito em que consigo pensar.

    Nas seis horas de depoimento, ele não usou expressões como "entregáveis importantes", "esforço por atingir todas as partes interessadas", e não falou nem mesmo de valor adicionado. Em lugar disso, eis como ele resumiu sua posição: "Dirigimos as empresas devidamente... Poderíamos ter vendido a marca ao exterior e cobrado royalties. Não o fizemos. Poderíamos ter fechado. Não o fizemos. Quando ganhamos dinheiro, pagamos impostos aqui".

    Nos últimos anos, um homem vem me servindo como exemplo no uso das palavras. O nome dele é Wan Long e ele fundou a Shuanghui, a maior processadora de carne do planeta. Em 2013, li um artigo sobre ele no "Financial Times" no qual ele foi citado como tendo declarado que "o que eu faço é matar porcos e vender carne". Contemplei essas palavras, boquiaberta de admiração. Como descrição do que uma companhia faz, eu jamais havia lido algo mais claro e mais sucinto. Desde então, sempre me pergunto, a cada sentença que escrevo, se Wan Long a aprovaria. E quando decido que não, reescrevo.

    Na semana passada, Sir Philip foi além de Wan Long, e sustentou esse desempenho o dia inteiro. Usar claramente o idioma, eu costumava pensar, não oferece maneira de uma pessoa se esconder. Torna tudo claro e direto. E no entanto, lá estava ele, apresentando um dos desempenhos menos claros e diretos a que já assisti.

    Isso causou uma crise em minha visão do mundo. Será que aquilo que vi significa que não é mais importante que os profissionais de negócios usem claramente o idioma? Um homem que fala sem rodeios é igualzinho a um homem cujo discurso esteja repleto de valores agregados e de daquis para o futuro?

    Na semana passada, a revista "Economist" publicou um artigo sobre como Donald Trump usa a linguagem política simples e clara recomendada por George Orwell para maus fins. A linguagem clara pode expor mentiras, mas se não houver número suficiente de norte-americanos que as percebam, o desdém de Trump pelos fatos e seu estilo simples se tornam vantagem.

    No caso de Sir Philip, não é exatamente isso que acontece. Ele não estava falando ao crédulo público dos Estados Unidos, mas a parlamentares suspeitosos. E não estava mentindo.

    Meu indício quanto a essa última afirmação veio de Sir Philip mesmo. "Não sou mentiroso", ele disse - duas vezes - antes de acrescentar "não vou mentir para vocês", "não lhes direi mentira alguma" e "cansei de mentiras".

    E caso a mensagem não tivesse sido compreendida, em mais nove ocasiões ele prefaciou suas respostas com a expressão "para ser honesto" ou "para ser perfeitamente honesto".

    Ocorreu-me, então, que a melhor maneira de compreender o caráter dele era procurar as palavras e expressões que ele usa com mais frequência. Uma de suas favoritas é "respeito" —ele afirmou não menos de 39 vezes ter respeito porque aqueles que o estavam interrogando. Mas em raras ocasiões menos respeito foi demonstrado em uma sessão de comitê parlamentar. Sir Philip fez perguntas a si mesmo, se comportou de modo condescendente para com as mulheres, disse a um parlamentar que parasse de olhar feio para ele e a outro que ele parecia mais bonito de óculos.

    A segunda palavra mais frequente em seu discurso era "culpa". No curso de seu depoimento, Sir Philip se recusou a culpar outras pessoas em 21 ocasiões. "Não é meu estilo culpar os outros", ele disse, e em seguida fez exatamente isso. Enquanto as apunhalava, ele elogiava suas vítimas, falando de "um jornalista adorável" ou que "ela é uma dama adorável", ao dedar a pessoa que dirigia o fundo de pensões da BHS.

    Mas a frase mais popular para ele provou ser "eu não sei". No curso normal dos acontecimentos, presidentes de empresas jamais admitem não saber alguma coisa, por medo de parecerem fracos. Em lugar disso, eles vacilam, enrolam e parecem pomposos, ao fingir onisciência o tempo todo. Quando você está sendo acusado, não saber é sua melhor defesa. Na semana passada, parecia não haver limites para o que Sir Philip não sabia. Ele proferiu a sentença cinco dúzias de vezes.

    Por que ele decidiu viver em Mônaco? "Para ser perfeitamente honesto com vocês, eu não sei. Alguém sugeriu". E aí está a tríplice coroa: honestidade, ignorância e jogar a culpa nos outros.

    As palavras de Sir Philip são boas. Sua sintaxe é excelente. Mas as repetições informam tudo que você precisa saber sobre seu caráter. Qual seja:

    Com o maior respeito a Sir Philip. Ele é um homem adorável e não é meu estilo mentir ou ser rude. Mas para ser perfeitamente honesta (e sabendo que o advogado de difamação do jornal - e o dele - lerão este artigo), eis minha respeitosa resposta: eu não sei.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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