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    Lucy Kellaway

    Por que somos mais rudes no trabalho do que na rua

    27/06/2016 10h59

    Na terça-feira passada, a caminho do trabalho, eu estava esperando para atravessar uma rua quando uma mulher de meia-idade que estava ao meu lado derrubou algumas moedas na calçada. Seis pessoas se abaixaram para ajudá-la a recolher o dinheiro. Um sujeito que estava vestindo um elegante terno azul marinho remexeu a sarjeta para recuperar uma moeda de um pence, que ele entregou à dona. A única pessoa que não ajudou fui eu —mas isso aconteceu porque eu estava segurando a bicicleta.

    Em lugar de ajudar, eu disse às pessoas que a cena que havia testemunhado me havia causado orgulho por ser londrina. Todos nós estávamos com pressa para chegar ao trabalho, mas todos instintivamente paramos para praticar uma gentileza, em benefício de uma desconhecida que havia derrubado menos de uma libra em moedas. Os bons samaritanos me encararam com desconfiança. Ser gentil é uma coisa; conversar com desconhecidos, completamente outra. Tão logo o semáforo abriu, eles correram para seus escritórios na City, como eu para o meu.

    Quando cheguei, fui direto para a minha mesa, passando por diversos colegas absortos na contemplação de suas telas de computador, alguns dos quais usando fones de ouvido. Não cumprimentei nenhum deles. Levei a xícara suja de chá do dia anterior para a pia comunitária, e apanhei uma xícara limpa no armário. Acomodei-me em minha mesa, olhei meus e-mails e resolvi não respondê-los. Subi à cantina, comprei um doce gorduroso e o comi em minha mesa, espalhando migalhas ao meu redor.

    Essa é a minha rotina no escritório a cada manhã. Não me surpreenderia de modo algum se alguns dos bons samaritanos estivessem agindo exatamente da mesma maneira em seus locais de trabalho. A maneira pela qual as pessoas se comportam no trabalho não é muito gentil.

    Somos mais considerados para com completos desconhecidos na rua do que para com nossos colegas no escritório. No trabalho, ignoramos as pessoas, almoçamos comidas de cheiro forte, chegamos atrasados a reuniões. Conversamos alto enquanto outras pessoas estão tentando trabalhar, ou cochichamos e causamos distração quando não desejamos que alguém ouça.

    Os especialistas em gestão definem esse comportamento como "descortesia no trabalho", a saber "um comportamento fora de norma, de baixa intensidade" que não tem por objetivo necessariamente prejudicar aqueles que são vítimas dele, mas o faz de qualquer forma. Eu não ajo com rudeza deliberada ao não dizer bom dia aos colegas ou ignorar tantos e-mails. Essa é a forma que a vida de escritório veio a tomar, simplesmente.

    Pesquisas sugerem que essa rudeza se generalizou e vem causando estragos reais. Faz com que as pessoas odeiem seus empregos, as torna menos criativas e causa mais estresse. Pode até (ainda que eu tenha dúvidas quanto isso) nos causar ataques cardíacos.

    Não fica imediatamente óbvio por que os escritórios estão se tornando mais rudes. A natureza humana não mudou muito. Em minha experiência, quando algo de seriamente errado acontece no escritório, as pessoas tendem a ser muito gentis. Mas houve seis mudanças que podem ter nos tornado todos um pouco mais rudes, de pequenas maneiras.

    A primeira é o e-mail. Já que recebemos número excessivo deles, aprendemos a não responder —ou a responder de modo curto e grosso— duas formas de rudeza. E tendo dominado a arte de ignorar e-mails, estamos aprendendo agora a ignorar qualquer coisa que não tenhamos vontade de fazer. Atender ao telefone no escritório está se tornando opcional —o que é rude não só para a pessoa do outro lado da linha mas para os colegas que ficam sujeitos ao aparelho tocando sem parar.

    O segundo convite à falta de civilidade é o smartphone, que fez com que parecer estar ouvindo enquanto outra pessoa fala - um aspecto básico das boas maneiras até recentemente - se tornasse não obrigatório. Este mês, participei de uma conferência na qual não só três quartos da audiência (eu entre eles) passou o tempo todo olhando os telefones mas metade das pessoas da mesa estavam abertamente escrevendo no Twitter ou Whatsapp enquanto o palestrante tagarelava.

    Os escritórios sem divisórias também foram feitos para promover a rudeza. Agora que estamos todos arrebanhados em espaços públicos, coisas que teriam sido aceitáveis em salas fechadas (comer fazendo barulho, falar alto ao telefone etc.) já não o são da mesma maneira. E é graças aos escritórios sem divisórias que temos a mais rude das invenções da vida de escritório até hoje —os fones de ouvido. Eles parecem gritar: "Estou aqui mas preferia não estar".

    O trabalho sem posições fixas e os horários flexíveis agravaram ainda mais as coisas. Quando você não se senta ao lado das mesmas pessoas todos os dias, e pode nem conhecer a pessoa que se acomoda ao seu lado, não existe incentivo específico para ser gentil, já que você não verá aquelas pessoas no dia seguinte.

    Possivelmente pior que qualquer dessas coisas é o culto à ocupação, que faz com que a rudeza seja não só aceitável mas admirável. Se estar ocupado impressiona, então é bom fazer com que as pessoas esperem, é bom chegar tarde a reuniões e é bom estar tão absorto que você ignora as pessoas ao caminhar pelo corredor.

    Tudo isso é bastante fundamental, e não está claro o que se pode fazer para recuperar a civilidade.

    A única maneira que poderia funcionar é ela mesma rude: gravar secretamente em vídeo o mau comportamento das pessoas e encaminhar as imagens a elas, ou compartilhá-las de modo mais amplo. Quase todas as pessoas são decentes, na verdade. Poucas gostam de se imaginar rudes. Um vídeo de 10 segundos mostrando como alguém cortou um colega ou comendo de boca aberta no almoço poderia ter um agradável feito corretivo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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