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    Lucy Kellaway

    Minha ambição é ser mais parecida com Theresa May, em reuniões

    18/07/2016 11h47

    Na semana passada, um colega anônimo de Theresa May disse ao "Financial Times" de que maneira a agora primeira-ministra britânica costumava se comportar em reuniões, quando era secretária do Interior: "Ela fica lá sentada nas reuniões de gabinete, com uma cara de exasperação bem comportada".

    Quando li a descrição, compreendi imediatamente de que forma May havia conseguido se tornar primeira-ministra. E, mais importante, percebi como é excelente a estratégia que ela usa. Passar por reuniões com um ar de exasperação bem comportada é o melhor que uma pessoa pode fazer. É uma mostra de superioridade, mas não de rudeza. É poderoso, mas não desonesto. Desestimula abordagens. Tem algo de realeza. É simplesmente perfeito.

    A questão sobre como organizar seu rosto quando você está sentado a uma mesa no trabalho ouvindo o que outras pessoas dizem é importante. O executivo médio passa cerca de quatro horas por dia em reuniões; se a reunião média tem nove pessoas presentes e tudo for dividido igualitariamente, cada um deles passa três horas e 33 minutos diários meio ouvindo a pessoa que está falando, e contemplando os rostos das pessoas que não estão. Isso sugere que encaramos a coisa do jeito errado. Preocupamo-nos com a impressão que causamos ao falar, mas não dedicamos tempo algum à impressão que causamos quando estamos calados.

    Um dia desses vi uma foto de um painel de discussão do qual participei, tirada por alguém da plateia. Dois dos participantes estão olhando para qualquer coisa menos a pessoa que está falando. Dois parecem catatônicos. Eu pareço meio louca, com os olhos arregalados de incredulidade e um sorrisinho sarcástico nos lábios. Só um dos participantes tem a expressão certa. Seu rosto forma uma máscara de interesse polido mas cético.

    Perguntei a um colega se aquela era minha cara habitual em reuniões. Ele confirmou que sim, e a notícia me incomodou. Eu não imaginava que fosse assim.

    Nossos rostos para reuniões são importantes demais para que permitamos que eles sejam compostos naturalmente. A cara mais comum em uma reunião (pelo menos entre as pessoas que não estão falando) é de tédio, e isso nunca é bom. O ar vago, largado, cria uma impressão de estupidez, e os músculos relaxados fazem com que você pareça antigo e exausto.

    Entediar-se a ponto de cair dormindo é a pior cara possível. Kay Whitmore, presidente-executivo da Kodak nos anos 90, se tornou mais infame por dormir em uma reunião com Bill Gates do que por ajudar a afundar sua empresa.

    Embora cair no sono seja fatal, acenar afirmativamente pode ser excelente, em termos gerais. Por nove anos fiz parte do conselho de uma empresa, e devo ter passado centenas de horas assistindo aos meneios afirmativos de cabeça de alguns dos mais capacitados conselheiros empresariais do país.

    A verdade é que existem acenos diferentes que podem vir a calhar em momentos diferentes. Quanto mais complexo for o assunto em discussão, mais um aceno de cabeça em média velocidade o fará parecer inteligente e atento, enquanto um aceno mais lento, do tipo "estou pensando sobre isso", também tem suas utilidades.

    Fora isso, as regras para o rosto que você precisa apresentar em uma reunião são o oposto das regras mais amplas para expressões de escritório. Embora sorrir seja em geral um bom plano porque faz com que as outras pessoas se sintam melhor, em reuniões isso é algo a evitar, a menos que alguém tenha feito uma piada, porque sorrisos podem criar a impressão de que você é leviano, ou está se esforçando demais para ser simpático, ou é um sicofanta. Puxar saco, embora seja às vezes necessário, é tão degradante que jamais devemos fazê-lo em público.

    Fazer cara feia, o que em geral não é bom no escritório, em uma reunião se torna essencial. Implica que você está pensando profundamente e pode servir para distanciá-lo de quaisquer que sejam as decisões que estão sendo tomadas. Ainda melhor: cria uma impressão de superioridade, de que você poderia fazer melhor.

    A cara que você faz em reuniões não só afeta sua reputação como pode afetar sua carga de trabalho. Um rosto que mostre disposição pode resultar em que tarefas indesejadas sejam descarregadas em você. Só o rosto de May —a exasperação bem comportada— terá sucesso em evitar toda forma de trabalho adicional. É uma expressão que diz "nem pense em pedir".

    Há uma ressalva para tudo isso. As regras só se aplicam quando você é, digamos, um reles membro do gabinete, o que implica que tenha pouco controle sobre a duração ou conteúdo da reunião. Mas não funciona se você for, por exemplo, primeiro-ministro. A expressão bem comportada funciona, mas exasperação não servirá, como expressão padrão, já que, quando você está no comando, você também é o primeiro a ser culpado.

    À medida que May se acostuma ao seu novo papel, sinto-me confiante em que aprenderá a adaptar sua cara de reunião adequadamente. Não estamos condenados a manter a expressão com a qual nascemos. Tenho passado um bom tempo diante do espelho ensaiando uma expressão exasperada mas bem comportada. No começo foi difícil, mas acabei de tentar de novo e, nossa, acho que consegui.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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