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    Lucy Kellaway

    Após venda do Yahoo!, gestão de Marissa Mayer inflama debate sobre competência versus sexismo

    01/08/2016 10h47

    Divulgação
    Marissa Mayer inflama debate sobre competência versus sexismo
    Marissa Mayer inflama debate sobre competência versus sexismo

    Em 1985, quando me tornei jornalista, fui convidada a participar de um grupo de colegas mulheres que se encontravam regularmente para discutir como era difícil ser mulher na profissão. Compareci a um encontro, e nunca mais: fiquei irritada com as queixas e não pude evitar perceber que as pessoas que mais se queixavam eram as menos competentes em seu trabalho.

    Se você não é muito bom no que faz, pensei comigo mesma, não deveria atribuir a culpa ao seu sexo.

    Em 30 anos, minhas posições evoluíram um pouco. Que as pessoas sejam boas em seu trabalho e que elas sofram discriminação por gênero são questões diferentes. Quando existe sexismo, reclamar disso —embora tedioso tanto para a pessoa que está fazendo a queixa quanto para a pessoa que a está ouvindo—,é importante. Se nada for dito, nada muda.

    Os leitores do "Financial Times", ao que parece, não progrediram tanto assim. Marissa Mayer na semana passada se queixou ao jornal de que a mídia a perseguia por ser mulher —e os leitores do jornal responderam como eu respondi, décadas atrás. Um deles escreveu: "Você é incompetente —essa é a resposta, e é bem simples, Mayer. Pare de tentar se esconder por trás dessa bobagem de perseguição por 'gênero', por favor".

    Cerca de 200 pessoas postaram comentários semelhantes. O trabalho dela como presidente-executiva do Yahoo, que foi vendido na semana passada para a operadora de telecomunicações Verizon, havia sido péssimo, e isso não tinha qualquer relação com sexismo.

    A veemência dessas queixas me causou desconfiança. Mayer pode ter se saído mal no posto. Mas será que as pessoas estão certas em afirmar que a cobertura noticiosa sobre ela não envolveu sexismo? E de que maneira medir esse fator?

    Mayer se queixou de que a mídia é obcecada pelas roupas das mulheres, e exemplificou falando de Hillary Clinton e seus terninhos. Isso é verdade, mas a disparidade entre os sexos está se reduzindo, no campo da vestimenta —na semana passada, o "Financial Times" publicou um artigo inteiro sobre a mochila de Boris Johnson.

    De qualquer forma, não estou certa de que isso seja importante. Interesso-me pelo que as mulheres (e homens) vestem e, desde que os terninhos não recebam mais atenção que as propostas políticas, não vejo grande mal em que se tornem assunto.

    De qualquer forma, Mayer não tem direito real de se queixar de intrusão da mídia em seu guarda-roupa, dada a foto dela que a revista "Vogue" publicou dois anos atrás, deitada de cabeça para baixo em um móvel de jardim nada confortável, usando um justíssimo vestido azul e sandálias de bondage, e segurando um iPad que refletia sua imagem.

    Se eu fosse presidente-executiva de uma empresa, não teria posado para uma foto com aquela em milhão de anos, mas isso é porque, de cabeça para baixo e com aquele tipo de roupa, minha imagem não teria coisa alguma de bonito. Mayer, por outro lado, parecia muito bonita, e fez um favor ao mundo ao provar que você pode ser linda, loira, amar roupas e comandar uma grande empresa no mundo da tecnologia da informação, dominado pelos homens.

    Da mesma forma, muita gente se queixou de sexismo por conta dos incontáveis artigos sobre Mayer como mãe. Desde que ela foi escolhida para o posto quanto estava grávida, a acompanhamos por duas gestações, nos compadecemos de suas licenças-maternidade curtas, nos maravilhamos com as instalações para bebês em seu escritório e com suas babás, e admiramos as fotos de suas lindas filhas com ela no trabalho.

    Em contraste, ninguém escreve sobre os filhos dos fundadores do Yahoo, David Filo e Jerry Yang —as páginas dos dois na Wikipedia nem mesmo revelam se tem filhos. Isso parece representar viés de gênero, mas, de novo, é compreensível. Não temos muitas mulheres presidentes-executivas e que tenham bebês, e por isso sou grata a Mayer por me mostrar de que jeito ela consegue.

    As únicas coisas ruins são as opiniões expressas quanto à competência de Mayer como mãe. Esse tipo de julgamento não se reserva mais apenas às mulheres —Mark Zuckerberg postou quase tantas fotos do filho quanto Mayer—, mas ele é julgado um pai maravilhoso por levar o filho para passear, e ela uma mãe horrível porque trabalha demais.

    Existe uma outra forma importante de parcialidade de gênero —o imenso volume de artigos. No ano passado, houve 4,2 mil artigos sobre Mayer, em inglês, mais de quatro vezes o número de artigos sobre Tim Armstrong, que exerce o mesmo cargo na AOL (também adquirida pela Verizon em 2015) - e isso é especialmente notável se considerarmos como ele batalhou para estar sempre nas notícias, por meio de uma série de gafes.

    A simples verdade é que temos interesse maior por mulheres que ocupem postos de presidência executiva, e continuaremos mais interessados até que o número delas cresça. Isso não é vantagem - a pressão já é pesada, de qualquer forma, sem que todo mundo reporte sobre cada mínimo detalhe de sua vida e trabalho. Isso bastaria para levar uma pessoa a fazer como Mayer, e a gastar US$ 500 mil em dinheiro da empresa contratando seguranças privados - o que geraria ainda outra reportagem adversa.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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