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    Lucy Kellaway

    Patrão mais ranzinza do mundo ensina como passar mensagem com clareza

    03/10/2016 10h53

    LOIC VENANCE/AFP
    Mensagens enviadas pelo presidente da Tiger Oil têm estilo perfeito
    Mensagens enviadas pelo presidente da Tiger Oil têm estilo perfeito

    "Não fale comigo, caso me veja. Se eu quiser falar com você, pode deixar que eu mesmo faço. Quero poupar a voz. Não quero estragá-la falando com filhos da puta como vocês".

    Esse memorando aos seus subordinados foi escrito em 13 de janeiro de 1978 por um homem que mais tarde viria a ser conhecido como o patrão mais ranzinza do mundo. Edward Mike Davis foi o fundador e presidente-executivo da Tiger Oil, e quando morreu, no mês passado, suas cartas misantropas terminaram reveladas —permitindo que todo mundo se admirasse com o quanto ele era ranzinza.

    Mas ao ler o que ele escreveu, me espanto menos com a sua rabugice do que com o seu domínio do estilo. Quando o ponto é transmitir uma mensagem com clareza, Davis estabeleceu o padrão pelo qual os e-mails de todos os presidentes-executivos deveriam ser julgados.

    Outra de suas obras-primas diz: "Sim, falo palavrões, mas, porque sou dono da empresa, esse é meu privilégio... Isso me diferencia de vocês, e quero que continue assim. Neste escritório, nenhum funcionário, homem ou mulher, jamais dirá palavrões. Nunca".

    Parte do conteúdo pode parecer um pouco antiquado. A ciência provou que dizer palavrões no trabalho deveria ser encorajado, porque faz com que as pessoas se sintam melhor —exceto no caso de um patrão xingar um subordinado, o que faz com que todo mundo se sinta pior, e além disso é provavelmente ilegal.

    Mas, com essa exceção, o estilo dele é perfeito. Combina as quatro coisas necessárias em toda a comunicação vinda de cima. A primeira é a brevidade. O memorando no qual ele proíbe que os funcionários usem palavrões no escritório tem apenas 42 palavras; e ainda melhor, 39 destas têm só uma sílaba.

    A segunda qualidade é a clareza. Até mesmo o mais estúpido ou distraído dos funcionários consegue entender a mensagem. Seria impossível não fazê-lo. Terceiro, ele parece sincero. Todo mundo conhece exatamente sua posição e a posição do patrão. E quarto, ele propõe objetivos realizáveis, e diz às pessoas como chegar a eles.

    Agora compare esse exemplo com aquilo que passa por comunicação decente no mundo empresarial de 2016. Mais ou menos no momento em que Davis fechou os olhos pela última vez, John Cryan estava sentado diante do computador redigindo o primeiro de uma série de e-mails mensais aos 100 mil funcionários do Deutsche Bank, na esperança de que a mensagem os ajude a apresentar melhor desempenho no futuro.

    Escolhi Cryan como exemplo não porque ele seja mau comunicador, mas porque é visto como bom nesse assunto, e recebe muitos elogios por seu estilo direto. Mas as realizações de Cryan não impressionariam Davis.
    Longe de ser breve, a mensagem de Cryan tem 750 palavras e começa com a informação, aleatória e completamente dispensável, de que o presidente-executivo do banco e sua mulher recentemente apreciaram uma sinfonia de Mahler executada pela Berliner Philarmoniker —e só depois ele vai ao ponto.

    Longe de ser uma comunicação clara, o e-mail é uma bagunça. A mensagem ostensiva é de que os funcionários devem ser mais inovadores, como os empreendedores do Vale do Silício. Mas ele insiste, ao mesmo tempo, em que todo mundo precisa também se comportar como seu próprio fiscal de risco —o que certamente encoraja a atitude oposta. Assim, que estilo ele realmente quer?

    Na prática, não há diferença, porque não é possível chegar a qualquer dos dois resultados via memorando. Você pode deixar de falar palavrões porque seu patrão assim mandou. Mas não há como adquirir os hábitos de um empreendedor —ou de um fiscal de riscos— só porque recebeu um e-mail dizendo que o faça.

    Davis viveu em uma era mais inocente. A maioria de seus memorandos se baseava em uma ideia central, que uma de suas mensagens descreve especificamente: "Vocês precisam do emprego —eu não".

    Passados 40 anos, não é mais aceitável admitir que a distribuição de poder é desigual, e que ele cabe quase inteiramente ao patrão. Essa verdade se tornou um tabu; em lugar disso, todos os presidentes-executivos adotam o ridículo fingimento de que não são superiores a pessoa alguma.

    Cryan conclui com nauseabunda insinceridade: "Se meus colegas do conselho e eu pudermos ajudar, por favor entrem em contato.

    É aceitável que uma mensagem de uma empresa de comércio eletrônico —como aquela da qual estou comprando um forno— termine assim. Mas Cryan é o presidente-executivo de um grande banco que ele está batalhando para tirar do vermelho. Não deveria ficar retorcendo as mãos angustiadamente, como se fosse Uriah Heep, e fazendo falsas ofertas de ajuda aos subordinados.

    Ele deveria ter dito ao seu pessoal, de maneira breve e clara, o que o banco espera deles. Se no processo terminasse soando um pouco ranzinza, seria um preço razoável a pagar.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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