• Colunistas

    Monday, 06-May-2024 18:20:44 -03
    Lucy Kellaway

    Banheiros unissex no escritório não oferecem refúgio para fofoqueiros

    10/10/2016 11h29

    Jess Andrews/Flickr
    Placa de banheiro unisex, sem restrição de gênero
    "Qualquer um pode usar esse banheiro, independente de sua identidade de gênero", diz a placa

    No trabalho, fazer xixi sempre foi uma atividade segregada. No passado, os diretores se aliviavam em locais diferentes, mais refinados, do que os usados pelos trabalhadores comuns.

    Mais tarde, quando as hierarquias saíram de moda, o banheiro executivo foi abolido em nome da igualdade, e presidentes-executivos passaram a ter de urinar lado a lado com os subordinados mais humildes.

    No entanto, a segregação entre homens e mulheres nos lavatórios perdurou. Em lares, em aviões e em trens, os dois sexos dividem alegremente os mesmos toaletes, mas no trabalho isso continua a não acontecer.

    Essa segregação vem sendo ameaçada pela ascensão dos sanitários sem sexo definido. Desta vez, a questão nada tem a ver com a igualdade entre homens e mulheres. Ela surgiu porque, se a pessoa for transgênero, é difícil decidir qual dos dois sanitários deveria usar.

    Na Califórnia, foi aprovada uma lei este mês decretando que quaisquer banheiros públicos dotados de cabines separadas devem ser considerados unissex. A cadeia de cafés Starbucks está adotando esse tipo de banheiro, e as livrarias Barnes & Noble decidiram encorajar as pessoas a usar o sanitário que preferirem. Na semana passada, no festival anual de autocongratulação da Salesforce, em San Francisco, os banheiros não tinham definição de gênero. Além disso, cada um dos 15 mil participantes recebeu um crachá bonitinho no qual deveria colar um adesivo com seu pronome preferencial: ele, ela, ele/a ou "me pergunte".

    Justin Sullivan/Getty Images/AFP
    SAN FRANCISCO, CA - JANUARY 22: A pedestrian walks by a Starbucks Coffee shop on January 22, 2015 in San Francisco, California. Starbucks will report first quarter earnings January 22, after the close of the trading day. Justin Sullivan/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
    Fachada de uma cafeteria Starbucks; a rede começou a adotar banheiros unissex nos EUA

    Imagino que isso seja uma notícia importante: para onde a Salesforce vai, todos a seguem.

    Mas banheiros unissex são boa ideia no trabalho? Fazer com que todo mundo urine no mesmo lugar certamente parece sensato. Em média, deixamos nossas cadeiras para ir ao banheiro três ou quatro vezes por dia, mas em lugar de isso ser uma oportunidade para networking amplo e aberto ao acaso, nos limitamos arbitrariamente a apenas uma fatia da força de trabalho.

    Eu consultei o pessoal do escritório para saber suas opiniões, e descobri que a grande divisão não acontece por sexo, mas por idade. O pessoal todo da geração milênio deu de ombros e disse que banheiros unissex não incomodam. Eles pareciam tão despreocupados que fiquei me sentindo ligeiramente embaraçada por ter feito a pergunta.

    Já os trabalhadores mais velhos não pareciam tão interessados na ideia. A maioria dos homens disse que não a apreciava, sem saber exatamente por quê. As mulheres se mostraram mais francas. Suas justificativas eram variadas: os banheiros masculinos cheiram mal. Elas não querem aplicar maquiagem diante dos colegas. O banheiro feminino é o lugar perfeito para chorar. Ou para fofocar. Ou serve como um refúgio muito necessário.

    Mas nenhuma dessas cinco razões parece conclusiva. Todos os banheiros cheiram mal, se não forem lavados com frequência, e portanto a resposta a isso é usar mais desinfetante. Quanto a maquiagem, eu aplico a minha de maneira tão amadora que prefiro que ninguém me veja fazê-lo. Se tivesse escolha, eu preferiria batalhar para aplicar um rímel grudento diante de um homem desinteressado do que diante de uma mulher que perceberia o quanto sou ruim na tarefa.

    Argumento semelhante se aplica ao choro. É verdade que as mulheres choram mais que os homens, e que, já que chorar na mesa de trabalho não é aceitável, tendemos a fazê-lo no banheiro. Mas nas poucas vezes em que deixei as lágrimas rolarem no escritório, meu principal objetivo era que ninguém visse. É possível que os homens prestem menos atenção a esse tipo de coisa, e a comentem menos, e por isso ter um deles lavando as mãos ao seu lado enquanto você enxuga os olhos vermelhos diante da pia talvez não seja má ideia.

    Também é verdade que acontece mais fofoca no banheiro feminino do que no masculino —no qual até onde sei o silêncio costuma prevalecer. Mas o sanitário é um lugar perigoso para papear, não importa o sexo dos envolvidos, porque não há como saber quem pode estar dentro de uma das cabines.

    Como refúgio, o banheiro do escritório é muito melhor —há momentos em que a privacidade conferida por uma porta trancada de cabine é exatamente aquilo de que uma pessoa precisa. Mas nesses casos, não acho que faça diferença que as pessoas invisíveis nas cabines do banheiro sejam homens ou mulheres.

    No entanto, existe uma razão melhor para os banheiros segregados. Enquanto metade do mundo da tecnologia estava reunido em San Francisco, eu fui a uma conferência rival de tecnologia na Europa. Já que quase todo mundo que trabalha no setor é homem, nas pausas para o café eu passei por uma experiência estranha. Havia longas filas para o banheiro masculino —e fila nenhuma para o feminino. Enquanto enxugava as mãos, comecei a conversar com as três outras mulheres que estavam no banheiro sobre os motivos para que o número delas fosse tão baixo no setor de tecnologia, e uma ideia me ocorreu: quando as mulheres representam uma minoria tão pequena, ter um banheiro só para elas é uma vantagem que vale a pena manter.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024