• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 05:52:18 -03
    Lucy Kellaway

    Como superar o medo de falar em público

    07/11/2016 09h56

    John Minchillo/Associated Press
    Hillary Clinton, candidata democrata à Casa Branca, fala durante campanha
    Hillary Clinton, candidata democrata à Casa Branca, fala durante campanha

    Até alguns anos atrás, a coisa que me apavorava mais que qualquer outra —mais até do que o meu terror de infância quanto a morcegos fazerem um ninho no meu cabelo— era o de me levantar diante de um grupo de pessoas benignas e abrir a boca.

    Meu medo de falar em público era tão irracional quanto era extremo. A tal ponto que passei as primeiras duas décadas de minha vida profissional me esforçando absurdamente para jamais ter de fazê-lo. Então, por volta do meu 40º aniversário, decidi que isso não só limitava minha carreira como era patético, e por isso comecei a me forçar a aceitar convites para fazer palestras.

    Na noite anterior à minha primeira grande palestra, estava tão nervosa que nem consegui dormir, e quando chegou a manhã calcei sapatos rosa choque na esperança de que meus pés entusiásticos iludissem a audiência a pensar que o resto de mim estava sentindo a mesma coisa. Agora, passados 15 anos, dispenso os sapatos cor de rosa e falo quase sem medo. Meu corpo prestativamente gera adrenalina suficiente para que eu me concentre na tarefa que tenho por realizar, e só: nenhuma adrenalina excedente.

    Meu histórico, e minha simpatia pelos milhões de pessoas que sofrem de aflição semelhante, querem dizer que sempre me irrito quando encontro conselhos idiotas sobre o assunto. A "Harvard Business Review" recentemente publicou um artigo sobre o tema no qual sugeria que o truque era "alavancar nossos corpos físicos para nos tornarmos mais presentes".

    Não tenho a menor ideia do que seria necessário fazer para alavancar o corpo, mas não me parece nem um pouco confortável. De qualquer forma, estar "presente" antes de uma palestra é uma má ideia. O que você realmente deveria fazer é se ausentar o máximo possível, na esperança de que isso o acalme.

    Ainda mais risível foi a "dica" de que é bom ter uma noite tranquila de sono antes da palestra. Já que ficar nervoso muitas vezes quer dizer que a pessoa não consegue dormir, como exatamente ela deveria ter uma boa noite de sono é algo que o artigo não explica. A questão mais interessante seria determinar o que é pior: se dopar com soporíferos e acordar lerdo ou passar uma noite insone e ficar irritado de manhã por conta da exaustão.

    Ao longo dos anos, encontrei uma resposta para essa questão e desenvolvi uma abordagem em cinco passos para dominar meu pânico ao realizar apresentações.

    Primeiro, quanto ao uso de substâncias. Descobri que o problema dos soporíferos é que eles não só removem o seu nervosismo como removem todos os demais sentimentos. E é melhor estar apavorado do que ser um zumbi.

    Em último caso, betabloqueadores funcionam melhor para acalmar os nervos. O mesmo pode ser dito sobre álcool, em pequenas quantidades. Se a palestra vai acontecer de manhã, tomar um gole de álcool de seu frasco de bolso pode não ser a melhor ideia, mas, para palestras noturnas, um cálice de vinho (ou dois) pode acalmar os nervos na hora mais necessária.

    A próxima dica é trocar o medo de falar em público por um medo maior e mais racional. Certa vez, quando estava indo de bicicleta para o local de uma palestra, escapei por pouco de ser esmagada por um caminhão-betoneira. Lembrar de que encarei aquele risco de morte sem medo algum, quando estava morrendo de medo de fazer uma palestra mesmo que só um pouquinho sem graça, ajuda a reduzir o meu medo.

    Meu terceiro conselho é que você tenha em mente o quanto o pessoal dos negócios é péssimo falando em público. A recomendação usual, a de garantir que a sua palestra seja feita antes das demais, só funciona se as demais palestras foram excepcionalmente boas. De outra forma, é melhor falar mais tarde e se acalmar antes de subir ao pódio assistindo ao desempenho pífio dos demais palestrantes e reparando no tédio da audiência. O nível é bem baixo: ficar acima da média é muito fácil.

    O quarto conselho nem deveria ser necessário: sempre chegue o mais cedo que puder. Reduza a zero o risco de que o nervosismo causado pela palestra seja agravado pelo nervosismo de estar atrasado.

    Por fim... pratique diante da audiência mais impiedosa do planeta: um adolescente bocejando de sono que jamais ri das piadas e não para de perguntar quanto tempo vai demorar para que a fala acabe. Mau ensaio, boa apresentação.

    Em longo prazo, existem duas coisas que funcionam melhor que essas cinco recomendações somadas. A primeira é experiência. Quanto mais palestras você fizer, menos nervoso ficará - em parte porque seu desempenho vai melhorar, mas principalmente porque chega o dia em que você percebe que o mundo não vai acabar caso as coisas não corram exatamente de acordo com o plano.

    Melhor ainda é envelhecer. Uma das belezas de ter mais de 50 anos é que você entra no estágio pós-medo, pelo menos no trabalho. O que está acontecendo no mundo ainda me assusta. E continuo a temer por meus filhos. Mas não tenho mais medo quanto a mim mesma.

    E quando penso em me levantar diante de uma audiência amigável e falar sobre alguma coisa que conheço... nem consigo mais me lembrar porque um dia isso me pareceu tão assustador.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024