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    Lucy Kellaway

    Deixe de lado a empatia, Sr. Schultz, e se concentre no café

    14/11/2016 14h55

    Pouco mais de uma semana atrás, naquela era inocente em que a perspectiva de um apresentador de reality show ocupar a Casa Branca era apavorante mas remota, Howard Schultz decidiu escrever um bilhete aos cerca de 100 mil norte-americanos que servem café nas lojas de sua empresa. Os Estados Unidos estão vivendo um vácuo de liderança, apontou o líder da Starbucks –um vácuo que ao que parece ele prontamente tentou ocupar.

    "Perdemos a fé naquilo que todos sempre reconhecemos como verdade, a promessa da América", ele escreveu.

    "Mas vocês são a verdadeira promessa da América. Minha fé em vocês me torna mais otimista que nunca. Hoje, não falo sobre o nosso negócio ou sobre a marca Starbucks. Falo de vocês como pessoas".

    Há muito a admirar nessa linguagem singela e convincente, mas ainda assim a mensagem me intriga. Por que ele tem mais fé que nunca em seus empregados como pessoas? O que eles fizeram para merecê-la? Schultz não diz. Em lugar disso, segue adiante: "Diante dessa eleição épica, inacreditável... e da falta de verdade, e do vácuo de liderança, ainda podemos fazer diferença nas vidas das pessoas a quem contatamos e influenciamos a cada dia. Gentileza, compaixão, empatia e, sim, amor são o que precisamos".

    Talvez isso aconteça porque sou londrina, mas quando li a mensagem, fiquei ligeiramente indignada. Schultz está certo ao afirmar que se as pessoas fossem mais gentis umas com as outras o mundo seria melhor.

    Mas a) isso não vai acontecer; b), certamente não vai acontecer só porque o presidente de uma cadeia de cafés assim pede; e, c), não estou certa de que ele disponha de uma plataforma que permita falar dessa maneira.
    Schultz não foi eleito. Ele tem o dever de se comportar decentemente para com seus funcionários. Mas ele não tem o dever, e de fato não tem motivo algum, para cuidar de suas vidas espirituais ou lhes dizer como deveriam se comportar quando vão para casa.

    A mensagem prossegue: "Comece hoje, reconhecendo o poder que temos para demonstrar compreensão, e para remover as diferenças que nos dividem".

    Concordo que seria adorável que pudéssemos remover todas as diferenças. Mas uma das diferenças que separam Schultz das pessoas que preparam o café caramelado que sua empresa vende é que o patrimônio dele atinge os US$ 2,9 bilhões, enquanto a renda de alguns de seus trabalhadores é de cerca de US$ 10 por hora –uma diferença considerável. E os cafés grátis, gorjetas e outros benefícios que o pessoal da Starbucks recebe não fazem muito por reduzi-la.

    Ele conclui: "Neste domingo, onde quer que você esteja, o que quer que esteja fazendo, saiba que estou lhe enviando meu amor e respeito".

    Não fica claro para mim de que maneira ele pode enviar amor a 100 mil pessoas que em sua maioria ele nunca viu, e cujos nomes em geral ele nem mesmo sabe. Essa é uma das diferenças entre as divindades os mortais. Deus pode amar a todos, mas para um ser humano amar alguém sempre significa primeiro conhecer a pessoa.

    E no entanto essa ideia de empatia está ganhando espaço na vida empresarial. Mais tarde esta semana, o Índice Mundial de Empatia será publicado, classificando empresas com base no seu comportamento em redes sociais e em diversas formas de pesquisa de opinião. Há muita coisa que não exatamente soa correta, quanto a isso. No ano passado, a Microsoft liderou o ranking, mas logo em seguida demitiu milhares de funcionários –o que não me parece uma grande demonstração de empatia.

    Duvido, igualmente, que seja possível medir empatia por meio de um indicador numérico agregado. Empatia é definida como a capacidade de compreender os, e compartilhar dos, sentimentos de outras pessoas - e por isso sites de redes sociais não são o lugar mais óbvio em que procurar por ela.

    Mais fundamentalmente, empatia não é necessariamente boa para os negócios –ou para nós como indivíduos. A "Harvard Business Review" recentemente publicou um ótimo artigo apontando que empatia, em excesso, pode ser perigosa. Para começar, ela é cansativa. Empregos que requerem muita empatia –por exemplo trabalhar em uma casa para pacientes terminais– nos deixam esgotados e à beira de um colapso. Segundo, ela é um jogo no qual aquilo que você ganha de um lado, perde do outro. Se você passa o dia demonstrando empatia em seu trabalho, não terá empatia sobrando ao chegar em casa. E, por fim, empatia demais pode resultar em más decisões.

    Não quero que meus empregadores sintam minhas dores. Eles não precisam me amar. Precisam apenas se comportar decentemente para comigo. Respeito e dignidade já fazem muito e, em última análise, se, digamos, um membro da minha família adoecesse, eu preferiria que meus chefes em lugar de demonstrar empatia, demonstrassem simpatia– e me dessem folga pelo tempo que fosse necessário.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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