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    Lucy Kellaway

    É hora de abandonar a vida empresarial e mudar de carreira

    21/11/2016 10h26

    MENAHEM KAHANA/AFP PHOTO
    Ninguém pode passar a vida inteira fazendo a mesma coisa, escreve Lucy Kellaway
    Ninguém pode passar a vida inteira fazendo a mesma coisa, escreve Lucy Kellaway

    Dentro de um ano, não estarei mais em minha mesa no "Financial Times" escrevendo colunas zombeteiras sobre a insanidade da vida empresarial. Estarei diante de uma classe de adolescentes em um bairro pobre de Londres, para lhes ensinar as regras básicas da trigonometria.

    Há diversas coisas irregulares nessa mudança de carreira. Uma é que estou começando bem tarde —terei 58 anos quando chegar o momento da mudança. Outra é que estou fazendo esse anúncio bem cedo. Só vou deixar meu posto em julho.

    O motivo para que eu esteja anunciando minha saída com tanta antecedência é que gostaria de convencer vocês a abandonar o que quer que estejam fazendo e vir comigo. Ou melhor, eu gostaria de convencê-lo se você a) já tiver certa idade; b) for persistente e determinado; c) viver em Londres e d) apreciar a ideia de ensinar matemática, ciência ou idiomas em lugares que sofrem a pior escassez de professores.

    Nos últimos meses, conspirando com pessoas que sabem o que estão fazendo, venho montando uma organização para encorajar executivos financeiros, advogados e contadores a passar o restante de suas carreiras em uma sala de aula.

    Nossa organização se chama New Teach, e quer criar uma versão daquilo que a Teach First realizou com tanto brilhantismo —convencer os formandos mais brilhantes de que ensinar é uma coisa nobre e bacana a fazer antes de partir para o sucesso profissional na McKinsey, PwC e Goldman Sachs—, mas na direção oposta. Queremos convencer pessoas que passaram a carreira na McKinsey, ou seja lá onde for, de que ensinar é uma coisa bacana e nobre a se fazer no final de uma vida profissional.

    Nem todo mundo pensa que a ideia é boa. Quando falei a respeito com meu colega colunista Gideon Rachman, ele me encarou com espanto. "Vamos ver se compreendi", ele disse, com a testa franzida. "Você vai deixar um emprego no qual é boa, com bom pagamento, elogios, glamour e flexibilidade. E vai trocá-lo por algo menos bem pago, difícil, sem liberdade, sem glamour, muito estressante e para o que você talvez não tenha talento algum. Esqueci alguma coisa?"

    A resposta, Gideon, é sim, você esqueceu. Ninguém pode passar a vida inteira fazendo a mesma coisa. Na maior parte dos empregos, duas décadas bastam. Mantive o meu posto por 31 anos porque tenho o emprego mais bacana do planeta. Mas mesmo assim, foi tempo suficiente. Nos empregos, como nas festas, o melhor é sair enquanto você ainda está se divertindo.

    Para mim, a ideia de recomeçar, aprender algo novo e terrivelmente difícil, é parte do motivo. Fazer parte de uma redação na qual alguns dos colegas têm a idade dos meus filhos também influi.

    Mas a parte mais importante, que muitos leitores podem considerar difícil de engolir já que passei toda minha carreira ridicularizando os outros, é que, em minha nova etapa, quero ser útil. Sim, sei que furar o balão de presidentes de companhias pomposos é útil, de um jeito meio paródico, mas não é esse tipo de utilidade que tenho em mente.

    Meses atrás, escrevi uma coluna apontando para o fato de que quase não restam pessoas de mais de 50 anos nos bancos, nos grandes escritórios de advocacia ou na maioria dos postos executivos. Um presciente leitor do "Financial Times" comentou, então: "Hora de ensinar?" Sim, é hora.

    As escolas precisam de professores. Minha geração em geral já está com a hipoteca paga; temos aposentadorias, e podemos arcar com um corte de salário. Viveremos até os 100 anos, e trabalharemos até depois dos 70. Se Leonard Cohen foi capaz de realizar turnês mundiais até os 80 anos de idade, eu certamente posso encontrar a energia necessária a estar o dia inteiro em uma sala de aula, ensinando minha matéria favorita aos alunos.

    Diversas pessoas protestaram, afirmando que isso não vai funcionar porque minha geração não será capaz de controlar adolescentes desordeiros. Mas não estou me jogando, e aos meus colegas da Now Teach, na fogueira sem ajuda.

    Formamos uma parceira com a Ark, uma organização assistencial que trabalha com educação e sabe treinar professores. Participei de algumas de suas sessões, e aprendemos como nos posicionar e de que maneira usar a voz para conseguir que os adolescentes se comportem. Pratiquei diante do espelho, e quase consegui assustar a mim mesma.

    Por enquanto, vou proibir todos os leitores do "Financial Times" de me enviarem e-mails de despedida, porque não vou sair ainda. Ficarei até a metade do ano que vem e, mesmo assim, não vou romper os laços de vez. Continuarei a escrever para o "Financial Times", quando o ensino da trigonometria me der uma folguinha.

    O que quero agora é ouvir as pessoas que tenham uma opinião sobre a New Teach.

    Ou melhor, o que quero é ouvir as pessoas dispostas a abandonar a vida empresarial e vir comigo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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