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    Lucy Kellaway

    Baboseiras de empresas atingem, em 2016, novos picos de idiotia

    09/01/2017 10h33

    Keith Srakocic/Associated Press
    Presidente-executivo da Ford venceu prêmio de baboseira empresarial de 2016
    Presidente-executivo da Ford venceu prêmio de baboseira empresarial de 2016

    A cada janeiro, já há 10 anos, premio o uso horrendo da linguagem nos negócios. Usualmente, a tarefa me diverte. Este ano, porém, o imenso peso dos eufemismos, infelicidades gramáticas, hipocrisia e feiura pura e simples se provou tão aviltante que decidi abrir os Golden Flannel Awards 2016 com algo mais animador: um prêmio por clareza.

    A categoria levará o nome de Prêmio Wan Long, o magnata chinês da carne que um dia pronunciou a sentença mais clara já proferida por um presidente-executivo: "O que faço é abater porcos e vender a carne". Wan Long certamente aprovaria o vencedor que selecionei, um executivo da ferrovia BNSF que declarou, em conferência: "Transportamos coisas de um lugar para outro".

    Essa sentença elegante, informativa e quase bela é um lembrete de que, apesar da natureza horripilante da maior parte das pérolas selecionadas abaixo, ainda é possível falar com clareza.

    Eu costumava pensar que as baboseiras das empresas eram produto do fracasso e mediocridade —elas existiam porque a verdade era dolorosa demais ou porque os executivos nem haviam se incomodado em verificar qual era a verdade.

    E, de fato, o ano passado produziu a safra usual de eufemismos para demissões. A Infosys comunicou sobre uma "deselevação ordeira de 3.000 funcionários". A Upworthy, uma pequena empresa de mídia, teve a cara de pau de definir a demissão de 14 pessoas como "uma demissão de investimento".

    Mas em outros campos, 2016 provou que os mais repulsivos jargões são sinal não de fracasso, mas de empolgação excessiva. As pessoas que promovem os carros autoguiados —o setor econômico no qual mais exageros retóricos são cometidos— se tornaram líderes mundiais do blablablá. Elon Musk afirmou ter "foco laser em obter plena capacidade de direção autônoma em uma plataforma, com segurança uma ordem de magnitude maior que a de um carro dirigido manualmente" (ou seja, os carros da Tesla precisam parar de bater).

    Melhor ainda foi Iain Roberts, diretor executivo mundial da Ideo, uma empresa de design, que fez uma pergunta cuja resposta jamais espero ter de ouvir: "Como ativar insights em torno de mobilidade latente ou necessidades multimodo"?

    Mas o vencedor, disparado, foi Mark Fields, presidente-executivo da Ford, que iniciou o ano com a deprimente notificação de que sua empresa estava "em transição de uma companhia automobilística para uma companhia automobilística e de mobilidade". Ele prosseguiu declarando que "herança é história mais futuro".

    A declaração parece tê-lo entusiasmado a ponto de repeti-la. E ao ouvir a repetição, minha conclusão foi a de que ela é nem tanto sentenciosa quanto claramente idiota. Fields, portanto, se tornou o meu mais novo Campeão Chefe de Ofuscação.

    O setor de relações públicas se superou com descrições cada vez mais fantasiosas para atividades como responder e-mails, conversar e participar de reuniões. Os candidatos incluíam coisas como "quero pular na tela do seu radar" (uma má ideia, porque se você pula na tela de um radar ela quebra), ou "vamos encontrar um tempo para nos conectarmos e nos atualizarmos mutuamente".

    Minha favorita veio de um profissional de relações públicas chamado Michael, que escreveu "espero que você não se incomode com o outreach". "Reach out" [alcançar] sempre foi uma expressão odiosa, e inverter a ordem das palavras não ajuda em nada. Michael, você ganhou a taça de Comunicações.

    Há também a intrigante reaparição do termo "unfeigned regards" [cumprimentos não falsos], famoso pela última vez no século 18 e agora presente de novo em e-mails recebidos das centrais de assistência telefônica localizadas na Índia. Mas a despedida vencedora, encontrada no final de uma mensagem enviada numa sexta-feira, foi "weekend well". [fim-de-semana bem]. Quase atribuí um segundo prêmio à expressão como melhor substantivo posando como verbo, se bem que esse prêmio tenha sido arrebatado no último minuto por um consultor que ouvi dizendo "podemos toalhar isso?"

    Embora o prêmio Nerb caiba a esse consultor, o prêmio irmão, para melhor verbo posando como substantivo, cabe a um outro consultor que falou em "toca-base global".

    A Siemens bateu recordes no ano passado, ganhando dois prêmios por mudar o nome de sua divisão de saúde para Healthineers. Isso não só vale o prêmio Martin Lukes por pior combinação de duas palavras como o vídeo que acompanhava o anúncio, com o presidente-executivo cantando e funcionários usando collants e dançando, fica com a medalha de ouro por canção empresarial mais vergonhosa de todos os tempos.
    Meu prêmio favorito a cada ano é para mudanças ridículas no nome de alguma coisa comum.

    Dois anos atrás, a Speedo ficou com o prêmio por mudar o nome da touca de natação para "sistema de administração de cabelo". No ano passado, a Falke se saiu ainda melhor ao mudar o nome de uma linha de meias para "soluções para desempenho na vida".

    A desgraça da Falke é triste, mas nem se compara à do eBay. A empresa que eu achava que amaria para sempre por fornecer todo meu guarda-roupa e o conteúdo de minha casa, disse ao "New York Times" que "nossa paixão é colocar nossa plataforma em uso para empoderar milhões de pessoas ao nivelar o campo de jogo para elas".

    Bingo! Em pouco mais de 20 palavras, a empresa colocou em uso expressões premiadas nos cinco anos anteriores, para dizer absolutamente nada. Com dor no coração, confiro ao eBay o grande prêmio Golden Flannel de 2016.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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