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    Lucy Kellaway

    Viver das glórias do passado deveria ficar no passado

    21/02/2017 10h39

    Dois homens percorrem a água de uma piscina no centro de Los Angeles. Quando param para descansar depois de algumas voltas, um deles anuncia que tem 90 anos de idade. Em seguida, empina o peito franzino e proclama: "Eu era juiz".

    O companheiro dele na piscina era o jornalista norte-americanos Michael Kinsley, que conta a história em seu novo livro: "Old Age: A Beginner's Guide" [velhice: guia para principiantes]. O que a história tem de revelador é o seu lado patético: quando o velho se refere à importância que um dia teve, ele só está agravando a impressão que deseja negar —a de que seus melhores dias ficaram para trás.

    AP/BBC
    Barack Obama ao lado de David Cameron
    Barack Obama ao lado de David Cameron

    A história nos conduz a uma questão mais geral: viver de passados triunfos profissionais é aceitável, qualquer que seja o momento? E, se é, quanto tempo pode passar antes que a prática se torne patética?

    As regras parecem variar de pessoa a pessoa. Se você é famoso como Bill Clinton, pode continuar vivendo de passadas glórias por prazo indefinido. Desde que você fale bem em público, as pessoas continuarão a pagar para ouvi-lo discutir a grandeza que um dia você teve mesmo que décadas já tenham se passado.

    De outra forma, o prazo de validade de passadas glórias é tão curto que quase não existe. Como princípio geral, o resto do mundo deixa de apreciar qualquer realização no minuto em que ela desliza do presente para o pretérito. No dia em que você deixa um emprego, os convites que recebia por causa dele param de chegar. Não só porque as pessoas temem que sua experiência se desatualize rapidamente, mas porque assim que você desocupa o cargo, a atenção toda se volta imediatamente ao seu substituto.

    A despeito disso, as pessoas continuam se apegando a sucessos passados como um recurso de sinalização. Determinar se isso é um boa ideia depende de duas coisas: essa prática é relevante, e é possível mantê-la com dignidade?

    A resposta à segunda metade da questão é invariavelmente negativa. Em seu perfil no Twitter, George Osborne age corretamente e não diz que por alguns anos foi chanceler do Erário [ministro das Finanças] do Reino Unido.

    Jack Welch não menciona o fato de que foi por décadas o reverenciado e temido chefe da General Electric. Só David Cameron se apresenta mencionando sua passada ocupação —primeiro-ministro do Reino Unido. Não mencionar o fato lhe conferiria mais dignidade. No caso dele, todo mundo sabe qual era a sua ocupação, e é desnecessário que ela seja mencionada aos leitores.

    No caso de pessoas cujas passadas carreiras escaparam à nossa atenção, informar-nos sobre o que elas um dia fizeram não vai impressionar. Se sou apresentada a uma pessoa em uma festa e ela me diz que um dia trabalhou para a BBC ou McKinsey, sempre me desanimo. O mesmo vale quando estou lendo perfis no Twitter em que caracteres preciosos são desperdiçados para revelar que alguém foi consultor na Deloitte ou trabalhou no Google. Seria possível alegar que essas informações são relevantes. As organizações em questão têm processos seletivos competitivos e, se uma pessoa passou por eles e foi aprovada, isso deveria contar permanentemente a seu favor. Mas não estou certa de que a ideia seja válida. Muita gente medíocre consegue emprego em organizações como essas, nos quais elas se saem mal e logo terminam demitidas. E são exatamente essas as pessoas que tendem a ostentar com mais orgulho os distintivos de seus antigos empregadores.

    No fim, não é muito diferente da situação do juiz aposentado na piscina. Se uma pessoa dá grande importância ao seu passado, isso sugere que seu presente não é lá grande coisa. Nossa noção tradicional de carreira é a de que ela é uma progressão sempre ascendente —o que significa que não deveria ser necessário mencionar empregos passados, porque o atual é supostamente mais importante e melhor. Quando Cameron era primeiro-ministro, ele não sentia a necessidade de mencionar a todo mundo sua carreira passada como profissional de relações públicas.

    Ainda que a maioria das carreiras (entre as quais a de Cameron) já não termine no degrau mais alto de uma hierarquia, continuamos a encarar qualquer queda como um tanto patética. A única exceção são os atletas. A biologia dispõe que eles já tenham passado de seu pico quando a maioria das pessoas está apenas chegando aos seus melhores anos, e por isso perdoamos que eles vivam no passado. Se o ex-juiz na piscina contasse que conquistou uma medalha olímpica, duvido que seu colega nadador o teria considerado patético.

    No meu caso pessoal, fiz uma promessa a mim mesma. Depois de setembro, quando eu tiver deixado o jornalismo e estiver treinando para ser professora de matemática, jamais direi às pessoas com quem converso em festas que fui colunista do "Financial Times". Manter a promessa será fácil —no meu novo emprego, estarei tão cansada que é bem provável que nunca mais vá a uma festa.

    Existe um ponto mais sério quanto a tudo isso. Se as nossas realizações têm tão pouco valor quando ficam no passado, talvez não seja sábio reverenciá-las com tamanho entusiasmo no presente.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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