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    Lucy Kellaway

    Minha palestra foi um desastre porque eu estava confiante demais

    24/04/2017 11h17

    Tomei o trem para Oxford na semana passada, para fazer uma palestra em uma audiência de benfeitores de minha escola. Estava muito animada. O sol brilhava, e eu estava me divertindo com a leitura de um post do empreendedor Chip Conley sobre a sabedoria que a idade oferece. Aos 56 anos, ele gosta de se ver menos como um pacote de leite com data de validade e mais como uma garrafa de vinho fino que melhora a cada ano.

    Caminhando por Oxford, me senti inclinada a concordar. Eu também era uma garrafa de vinho em constante melhora. As paredes de pedra já não pareciam sussurrar que "você não é boa o bastante". A intensidade - tanto no sofrimento quanto nos ocasionais lampejos de alegria —daquilo que eu sentia quando universitária havia por fim se acalmado. O Lady Margaret Hall, cuja fachada costumava me lembrar uma prisão, foi reformado com verbas generosas, e ao sol do fim da tarde o edifício parecia quase bonito.

    Eu estava até entusiasmada com a palestra. Nada poderia sair errado, eu tinha uma audiência cativa e o texto que escrevi me parecia combinar reminiscências divertidas e sinceridade, e irreverência suficiente para evitar que a plateia dormisse por efeito do vinho do porto.

    Depois de dois minutos, comecei a perceber que as risadas eram forçadas —e isso foi se agravando à medida que eu avançava. Mal me sentei e já havia dois sujeitos me puxando pelo cotovelo, em protesto. Um deles me perguntou, carrancudo e em tom raivoso, o que havia passado pela minha cabeça para que eu decidisse insultar todo mundo. O outro disse apenas "é melhor você ir embora", e apontou para a porta.

    Em apenas 15 minutos, consegui irritar antigos alunos, benfeitores da escola e professores. De alguma maneira, eu havia conseguido dizer aos homens que eles eram sonsos, às mulheres que elas eram cafonas, e havia invocado em vão o nome do ausente Stephen Hester (presidente-executivo da RSA Insurance e aluno da mesma instituição um ano depois de mim). Era como se eu tivesse conseguido apertar todas as teclas erradas.

    Já irritei algumas pessoas, ao longo dos anos, mas o notável no dia em questão foi não a força do sentimento, mas a sensação de que, por uma vez, eu estava tentando fazer exatamente o oposto disso. Estudar em Oxford mudou minha vida. Lá aprendi como trabalhar, como pensar, e como perceber retórica vazia e lógica precária. O Lady Margaret Hall me aceitou a despeito de notas atrozes no segundo grau e apesar de minha falta de mérito, e agora está fazendo algo merecedor de grandes elogios. Criou uma fundação para estudantes vindos de famílias pobres, que apesar de seus problemas se saíram muito melhor na escola do que jamais consegui.

    Não é agradável encarar pessoas que estão gritando com você, mas o que mais me abalou foi perceber o quanto eu havia errado na concepção da palestra, apesar de toda a minha experiência.

    Pelo fim da noite, eu cheguei à conclusão de que Chip Conley não sabia do que estava falando. Eu nada tenho em comum com uma garrafa de vinho fino, ainda que, se eu tivesse uma delas à mão naquele momento, a teria entornado inteira.

    Em lugar de ganhar sabedoria, com a idade, o inverso parece estar acontecendo. A mudança mais perceptível, além das que vejo no espelho, é que agora não tenho mais medo.

    Eu costumava ter medo de fracassar no trabalho, de ser apanhada em um momento de fraqueza, de que as pessoas pensassem mal de mim. Chegar ao estágio pós-medo torna a vida mais confortável, mas também mais perigosa, porque o medo ajuda a evitar desastres. Ele o desencoraja de encher a sua palestra de comentários sarcásticos e provocações, que embora pareçam engraçados para você talvez o sejam muito menos para aqueles que são alvo da piada.

    O incidente me ensinou alguma coisa de ainda mais desconfortável —o quanto é difícil aprender com os erros. Meu retrospecto é ruim quanto a isso —raspo o pneu na calçada sempre que estaciono. Erro a ortografia ao escrever "separar", apesar da assiduidade do Google em me corrigir.

    Fazer alguma coisa mal é doloroso. E sentir dor não é agradável. Estou aprendendo a usar estratégias que reduzem a dor. Em minha cabeça, já estou arranjando um jeito de contar a história que não me exiba sob uma luz tão negativa, e tenho certeza de que daqui a alguns dias vou culpar a audiência por não ver a graça do que eu disse.

    O que me conduz a uma coisa na qual melhorei com a idade: aprendi a me recuperar dos meus reveses. Uma calamidade como a da semana passada no passado teria me custado dois anos de sofrimento, pelo menos.

    Passei as últimas 24 horas em estado de humilhação avançada. Mas agora que desabafei a respeito, logo chegará a hora de fingir que nada disso aconteceu.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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