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    Lucy Kellaway

    Analfabetismo matemático não é fofo; é estúpido, vergonhoso

    08/05/2017 11h07

    Rafael Hupsel/Folhapress
    Analfabetismo matemático não é fofo; é estúpido, vergonhoso, diz Lucy Kellway
    Analfabetismo matemático não é fofo; é estúpido, vergonhoso, diz Lucy Kellway

    Na semana passada, Dianne Abbott demonstrou, em um programa de rádio ao vivo, que é incapaz de fazer uma conta simples de divisão, não sabe a diferença entre o que vem antes e depois da vírgula e é basicamente uma anta, na matemática.

    Quando questionada sobre quanto custaria contratar 10 mil novos policiais, a secretária do Interior no governo paralelo do Partido Trabalhista respondeu que "bem, ahn... cerca de £ 300 mil". Quando a resposta foi contestada, ela rebateu: "Desculpe [risada nervosa]. Não. Desculpe [pausa]. O custo vai ser... vai ser... [pausa] o custo... vai ser de mais ou menos £ 80 milhões."

    O entrevistador fez as contas rapidamente de cabeça, e apontou que isso representaria cerca de £ 8.000 por policial. Completamente humilhada, Abbott começou a despejar números aleatórios, demonstrando tamanho desespero que, no fim da resposta, já estava falando em colocar 250 mil novos policiais nas ruas do país.

    Esse diálogo muito doloroso serve como prova de um fato perturbador: é perfeitamente possível ser membro da classe dominante britânica e ainda assim ser péssimo com números.

    Abbott desfrutou de uma educação que está entre as melhores que o país pode oferecer. Fez o segundo grau em uma boa escola no noroeste de Londres e depois se diplomou pela Universidade de Cambridge, onde foi aluna do historiador Simon Schama. Mesmo assim, ela se provou completamente incapaz de dividir 80 milhões por 10 mil.

    No mês passado, fiz uma palestra no Festival Literário de Oxford e pedi que as pessoas péssimas em matemática levantassem a mão. Cerca de 70 dos 150 espectadores, todos pessoas de nível educacional bastante elevado, o fizeram. A única coisa mais deprimente do que perceber a imensa proporção de pessoas que se consideravam matematicamente analfabetas foi perceber que nenhuma delas via grande problema nisso. Em lugar disso, aqueles burraldos numéricos trocavam olhares brincalhões e complacentes, como se seus problemas com a matemática fossem apenas uma mania adorável, equivalente, por exemplo, a gostar de fritas com molho de sal e vinagre. "Vocês são uma desgraça para o país", eu disse, e a resposta foram risadinhas acomodadas, porque eles achavam que eu estava brincando.

    Se eles fossem cientistas e minha pergunta fosse sobre problemas de escrita ou leitura, duvido que uma pessoa erguesse a mão. Ninguém acha adorável ser analfabeto, mas a intelligentsia britânica, cujos integrantes em geral deixaram de fazer contas aos 16 anos de idade, considera seu problema como completamente fofo.

    Não é fofo. É estúpido, vergonhoso e, se a pessoa exerce um cargo de responsabilidade, também perigoso. Suspeito que ser inútil na matemática é um traço mais comum do que imaginamos, entre os poderosos. Três anos atrás, Paul Flowers, então presidente do Co-operative Bank, superou Abbott ao dizer que o banco tinha £ 3 bilhões em ativos, quanto o número real era de £ 47 bilhões. O analfabetismo matemático de Flowers havia passado despercebido durante 62 anos, e ele poderia ter mantido o segredo para sempre se não tivesse cometido erros grotescos a ponto de levá-lo ao Parlamento para depor perante uma comissão de inquérito.

    A maioria das pessoas que não têm noção básica de matemática tende a escapar impune. O mesmo não vale para as palavras. Os empregadores reagem com irritação diante de pessoas que cometem erros de ortografia em seus currículos, mas ainda assim contratam sem o menor problema pessoas que mal conseguem fazer contas, porque essa última capacidade jamais é colocada em teste.

    Cerca de 20 anos atrás, Gordon Brown, então chanceler do Erário (ministro das Finanças) do Reino Unido, aceitou responder perguntas de um grupo de crianças em um programa de televisão. Uma das crianças perguntou quanto era 13 ao quadrado. Rapidamente, para grande alívio de seus assessores, Brown respondeu: 169. Na época, escrevi que as empresas deveriam fazer essa pergunta a todos os candidatos a emprego, como parte de sua rotina de contratação —e fiquei muito feliz quanto conversei com o diretor de recursos humanos de uma grande empresa, algumas semanas mais tarde, e ele me disse que estava seguindo o conselho. Os resultados? Ele me contou que quase ninguém sabia a resposta imediatamente. Mas as pessoas que conseguem multiplicar 13 por 13 sem perder muito tempo em geral tendem a ficar com as vagas. Quem entra em pânico, enrola e "dá uma de Abbott" termina rejeitado.

    Alguns dos trabalhos que fiz exigiam certo conhecimento de números —no setor financeiro, na coluna Lex do "Financial Times" e em minhas funções como conselheira de empresas. Mas o processo de seleção jamais envolveu um teste para determinar se sou melhor com números do que a ministra do governo paralelo. Só agora, quando estou procurando um posto como professora trainee de matemática e economia, é que meus conhecimentos estão sendo testados. A experiência é um pouco assustadora. E expõe falhas. Mas é um começo.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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