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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Feiura paulistana

    DE SÃO PAULO

    05/07/2014 03h00

    A revista "Monolito" dedicada a Higienópolis, bairro central de São Paulo, não mostra só o tom modernista de um movimento arquitetônico capaz de erguer lindos prédios e, como diria Caetano, destruir belas casas.

    Permite observar a perturbação estética causada pela fiação exposta, pelas grades desproporcionais e por uma medonha rede de cercas elétricas instaladas para iludir moradores.

    O edifício Louveira, desenhado por Artigas e Cascaldi, mantém a transparência original da fachada e nem por isso seus habitantes são assolados por invasões.

    Grades gigantescas e redes eletrificadas são inúteis porque assaltos em condomínios não são cometidos por transeuntes e saltadores. A paranoia da violência enfeia a paisagem.

    Já a quantidade assombrosa de postes e fios que aumenta todos os dias, praga urbana que mutila as árvores e polui o olhar, é fruto da tolerância e da corrupção do poder público.

    Temos um novo Plano Diretor e a beleza da cidade não fez parte do debate que cercou sua aprovação.

    Maluf é muito mais do que um minuto na TV em período eleitoral. Fixou um estilo assimilado por todos partidos políticos, sem exceção: governar é fazer obras para o sistema viário. O Minhocão é o marco destruidor.

    Tudo pelo automóvel, nada pelo pedestre.

    No site da prefeitura as calçadas têm dois metros de largura: setenta centímetros reservados para serviços (iluminação, árvores, floreiras, lixeiras, telefones, bancos), um metro e vinte de faixa livre, sem desnível ou obstáculo. Quem anda a pé, além de verificar a sujeira e a falta de conservação, sabe que é mentira.

    Ampliar ruas, diminuir calçadas, surrupiar espaços de horizonte e convivência, anistiar irregularidades. É assim que se governa São Paulo.

    Para onde se olha, é feiura. Vejam o que foi feito da avenida Santo Amaro e das margens dos rios. A rua Angelina Maffei Vita atravessa as laterais do Shopping Iguatemi, do Clube Pinheiros e do Hebraica, três símbolos da elite paulistana, mas um cadeirante ou um carrinho de bebê não tem como contornar aqueles quarteirões: há trechos, ao lado do Clube Hebraica, em que a distância entre muro e poste é pouco maior do que uma régua escolar. Pedestre não é bem vindo.

    Automóvel é pior que cigarro, mas a politica de benefícios fiscais para a indústria automobilística, inspirada no jeito Maluf de gerir, despeja milhões de veículos em cidades que deles precisariam se livrar. Se os ônibus
    são mais rápidos nos corredores, os coletivos e as calçadas que dão acesso às paradas são destinados à mobilidade de gente pobre, que, na visão dos administradores, deve se contentar com porcarias e
    desconforto.

    A aparência de São Paulo é horrorosa e poderia ser diferente. A beleza, sim, é valor democrático. A chave da recuperação estética da cidade passa por atitudes singelas e drásticas. Habitações populares podem não ser áridas. Obrigar o enterramento de fios. Aumentar calçadas, reduzir locais de estacionamento, desalojar postos de gasolina, multar mais, muito mais: transformar a vida de quem se locomove com o próprio carro em
    um saudável inferno.

    É preciso exorcizar este "malufinho" que existe em nós e que inspira de síndicos a criadores de políticas públicas.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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