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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Famílias Kennedy

    DE SÃO PAULO

    30/08/2014 03h00

    A figura de Eduardo Campos foi alçada a símbolo de renovação interrompida. Por todos os seus atributos.

    No calor dos acontecimentos, a GloboNews, além de investigar a tragédia, repercutir seu impacto nas eleições e mostrar o abatimento de amigos e adversários pela perda improvável, incluiu na cobertura um vídeo sobre John-John, o filho de Kennedy que em 1999 morreu em desastre aéreo: referência comparativa ao novo viés da nobiliarquia de Pernambuco, inaugurado por Arraes?

    Nos dias subsequentes (a imprensa ainda atônita diante do fato novo), as notícias do Recife davam conta de que Eduardo já teria sucessor político, seu filho de 20 anos, quase candidato em 2014, e que se cogitava de a viúva integrar a nova chapa com Marina.

    O cenário não é mais o do clássico "Coronelismo, enxada e voto", de Victor Nunes Leal -ainda que dentaduras nos façam pensar no contrário. A modernização do país desde o fim do Estado Novo é sob vários aspectos formidável, mas ungir um herdeiro entre os seus, pelo laço sanguíneo ou pelo casamento, é prática persistente.

    Os Sarney no Maranhão. Os Barbalho no Pará. Os Gomes no Ceará. Os Campos em Pernambuco. Os Calheiros em Alagoas. Os Magalhães na Bahia. Os Roriz em Brasília.

    O Sudeste e o Sul, regiões teoricamente mais imunes a essa fonte provinciana de poder, não fogem do padrão. Os Garotinho no Rio. Os Richa no Paraná. Sem contar os esquecidos.

    Minas Gerais, que na definição aguda de Tancredo, começa onde termina a riqueza do sul e termina onde começa a pobreza do norte, tem os Neves. Em São Paulo, pelas mãos do PT, emerge a família Tatto, ligada a um pedaço carente e árido da cidade, que, maldosamente, costuma ser mencionada com a imitação da voz gutural com que Marlon Brando, no papel de Corleone, fala dos Tattaglia.

    Para ser vitorioso, esse projeto de poder também requer mérito e perseverança. A legitimação da escolha e a longevidade familiar dependem de um conjunto de virtudes que vai da formação escolar ao desempenho ético e estético dos favorecidos.

    Se a profissionalização na iniciativa privada é uma tendência irreversível, em nome da eficiência, mesmo entre os que, além da vida partidária, acumulam empreendimentos prósperos, a tradição do parentesco na política local parece transmitir ao eleitor, paradoxalmente, sentimentos de confiança.

    Antes da adesão ao costume antigo, muitos dos fundadores das dinastias regionais surgiram como alternativa renovadora. Sarney foi eleito para reformar sua terra sofrida, como registra a reportagem cinematográfica de Glauber Rocha, "Maranhão 66", e faria de sua filha a primeira mulher a vencer eleição para governador no Brasil.

    O poder familiar infiltra parentes e aliados no Judiciário, nos Tribunais de Contas, nas Assembleias, nas Câmaras, nas universidades, nas comunicações e nas carreiras de Estado, seja pela via insuspeita do concurso público seja pelo mecanismo da livre escolha. Há ambiente para que, afinal, aqui e ali, interesses pessoais se confundam com interesses da própria região.

    Não há pudor ideológico, à direita e à esquerda. Chico Science, outro pernambucano de morte precoce, cantava: "Só tem caranguejo esperto saindo deste manguezal".

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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