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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Enfermeiras

    DE SÃO PAULO

    25/10/2014 03h00

    A italiana Daniela Poggiali, 42, é a enfermeira da vez. Seu nome e sua foto no perfil do Twitter (um sorriso maroto, gorro de Papai Noel) estão em portais do mundo todo, da Nova Zelândia ao Paquistão, da China à Nigéria, da Turquia à Venezuela.

    Acusada de matar uma idosa, internada em hospital de Lugo, em Ravenna, com dose letal de potássio, a "enfermeira diabólica" é suspeita de assassinar outros pacientes com comportamento "irritante".

    Dizem que Poggiali ministrava laxante para complicar o plantão das enfermeiras que assumiam o seu posto. No seu celular, teria sido encontrada uma "selfie" tendo como fundo o cadáver de uma paciente. Manteve-se "imperturbável" na hora da prisão.

    A estatística não a favorece: no primeiro trimestre de 2014, aumentou o número de óbitos durante seus plantões (38), bem acima da média (dez) das enfermeiras do hospital. Quem duvidou de suas atitudes foram colegas de trabalho. Poggiali se diz vítima de maquinação, complô.

    Apesar da profissionalização, ainda se idealiza a enfermagem formada por mulheres prestativas, abnegadas e infinitamente humildes. Mas enfermeira não é freira. Aspectos mundanos da vida -ainda que sórdidos ou macabros, não provam os homicídios- minam sua credibilidade junto à opinião pública.

    Suspeita de crimes contra pessoas indefesas, o retrato judicial de Poggiali é o de uma bruxa. A morte intencional de um paciente causa justa indignação em qualquer um que um dia precisou ou precisará de atendimento. Pacientes merecem cuidado, não maldade. A personagem de "Louca obsessão" ("Misery", de Rob Reiner, 1990) é horripilante porque se aproveita da fragilidade física da vítima para aumentar sua dor.

    A holandesa Lucia de Berk foi condenada à prisão perpétua em 2003 por quatro homicídios e três tentativas frustradas de matar. Enfermeira de hospital infantil em Haya, foi presa em 2001, aos 40 anos, acusada de 17 crimes, depois da morte inesperada de um bebê sob seus cuidados. Concluiu-se que ela aplicou digoxina na criança.

    O caso está no livro "A matemática nos tribunais", de Leila Schneps e Coralie Colmez. A estatística (a improvável presença casual da enfermeira em tantas ocorrências) foi determinante para o severo veredicto.

    Um passado de garota de programa no Canadá, ainda adolescente, contaminou sua imagem de mulher. Teria ainda falsificado um diploma escolar para seguir a carreira. Lia cartas de tarô. Em seu diário, na data de uma das mortes investigadas, foi localizado um registro que só fez crescer o clima de desconfiança: "Hoje cedi à minha compulsão". O seu retrato judicial também era o de uma bruxa.

    O candidato da Holanda ao próximo Oscar de melhor filme estrangeiro é justamente o longa baseado na sua história ("Lucia de B.", direção de Paula Van der Oest, 2014), ainda não lançado no Brasil.

    Em 2010, a Suprema Corte holandesa declarou a inocência de Lucia de Berk, reconhecendo um dramático e incômodo erro judiciário. Sofreu um derrame cerebral na prisão que deixou sequelas para a fala e para os movimentos do lado direito do corpo. Só foi levada para o hospital penitenciário dez horas depois do acidente vascular: imaginaram que ela "encenava um ato histérico".

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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