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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Judeus de Portugal

    DE SÃO PAULO

    14/02/2015 04h33

    A lei que permite a aquisição da nacionalidade portuguesa por descendentes de judeus sefarditas, habitantes da península ibérica e perseguidos desde a época dos descobrimentos, é capaz de estimular uma corrida aos consulados em busca de documento precioso: o passaporte europeu.

    Em 2014, reportagem do jornal "El País" registrou intensa mobilização de brasileiros interessados, quando circulou uma lista falsa de sobrenomes que a Espanha adotaria para também conceder a nacionalidade aos perseguidos. O boato incluía, por exemplo, o sobrenome "Silva" na relação de mais de 5.200 com suposta origem sefardita.

    Obter por esse caminho a cidadania portuguesa será aparentemente trabalhoso e caro. O regulamento, anunciado pelo Conselho de Ministros no final de janeiro, instituiu um processo complexo de naturalização que inclui a apresentação de certidões do registro de nascimento dos ascendentes até o progenitor judeu sefardita, comprovação genealógica por especialista e documento que confirma a ligação do ancestral com essa comunidade.

    Estima-se que 200 mil judeus viviam em Portugal, cerca de 10% da população, grande parte refugiada da Espanha, quando d. Manuel decretou a expulsão ou a conversão forçada ao catolicismo no final do século 15. Estudos genéticos revelam que, em média, 19,8% da população atual de Portugal e Espanha têm genes de sefarditas.

    A partir de 1536, a Inquisição encarregou-se de atormentar em todo o reino português a vida dos "cristãos-novos", sempre observados com desconfiança pelo fantasma do "sangue impuro", e de criptojudeus, que preservaram de forma oculta tradições e costumes judaicos. Foram mais de 200 anos de fanatismo e violência: em 1739, Antônio José da Silva, "O Judeu", advogado e dramaturgo, natural do Rio de Janeiro, seria executado no garrote por ser "apóstata e herético contra a santa fé católica, convicto, negativo e obstinado".

    Sefarditas de Portugal se espalharam pelo mundo (norte da África, Europa e América) e, apesar de tudo, parcela de seus descendentes mantiveram o culto à religião proibida. Na Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, monumento do século 17 que impressiona pela elegância e austeridade, os sermões eram proferidos em nosso idioma até 1842. Judeus oriundos de Pernambuco, após a retomada do território ocupado pelos holandeses, rumaram para Nova York.

    Mas a intolerância fez com que muitos de seus descendentes assimilassem a religião católica (a distinção jurídica entre "cristãos-novos" e "cristãos-velhos" foi eliminada em 1773 pelo marquês de Pombal), perdendo-se no tempo as raízes culturais e religiosas.

    Qual será a real extensão deste tardio gesto de reparação histórica? Qual será a atitude do governo português diante de quem, mesmo que comprovando pela árvore genealógica a distante origem sefardita, não faz parte de uma comunidade judaica? Receberá o passaporte europeu?

    O batismo forçado do século 15 também atingiu "mouros", praticantes da religião muçulmana que integraram, ainda que em menor escala, o contingente de "cristãos-novos". Seus descendentes não têm direito à nacionalidade que Portugal agora oferece.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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