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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Discurso e ódio

    28/03/2015 02h00

    Fez parte da conspiração contra a legitimidade das passeatas de 15 de março mensagem disparada do perfil oficial do Ministério da Justiça no Facebook afirmando que o "discurso de ódio fere a democracia e não gera mudanças". A estratégia infantil de comunicação foi logo abandonada.

    A postagem tentava situar como vítimas de discriminação a presidente e seu partido. Professoral, o texto dizia que é direito de todos se manifestarem, mas sem insultos e sem afrontar a dignidade de "determinado grupo".

    O que impressiona nas manifestações desde 2013 é o caráter errante. Espontâneas, apesar da convocação nas redes sociais, divorciadas dos partidos políticos (temos 28 com representação no Congresso), sem rumo aparente, as passeatas reúnem qualquer sentimento de insatisfação.

    O que agrega mais simpatia aos movimentos é também o seu calcanhar de aquiles. A despolitização dá visibilidade a palavras de ordem "impróprias", como a que defende a volta do regime militar, ou inusitadas, como a que reivindica "menos corrupção e mais ruivas".

    Mas, diferentemente do que o governo tenta articular, discurso de ódio é outra coisa. Tem como alvo minorias que se pretende discriminar por motivo de raça, religião etc. Protestar contra governos, independentemente do tom exacerbado ou ressentido das palavras, é da democracia.

    Exemplo de dispositivo legal inspirado no "discurso de ódio" é o que pune no Brasil, com pena de dois a cinco anos de cadeia, a produção e o uso de emblemas ou ornamentos com a cruz suástica para fins de divulgação do nazismo.

    É uma restrição real, justificável para muitos, ao direito de se manifestar. Mas há quem considere o precedente perigoso já que a manifestação que não se converte em ato concreto de ódio deveria ser tolerada.

    Ninguém reclama porque cultura nazista não existe por aqui e porque a garantia essencial da liberdade de expressão permanece intacta –pelo menos para quem não se fantasia com símbolos nazistas. E se a moda pega e o parlamento resolve acrescentar à proibição legal "a foice e o martelo", símbolo de regimes opressores e assassinos, como prova a história do século 20?

    O país foi dividido em dois, "Nós e Eles". A propaganda eleitoral de Dilma contra Marina, promovendo o sumiço do prato de comida da mesa do trabalhador, que seria garantido apenas pelo atual governo, é ilustrativa.

    A ideologia minguou. Quem te viu, quem te vê, o campeão de votos petistas em São Paulo para a Câmara dos Deputados é Andrés Sanchez, empresário e dirigente corintiano. Seus tesoureiros (com dinheiro não se brinca) também estão longe de ser referência para o pensamento de esquerda.

    A palavra de ordem "fora FHC" era legítima, mas o que se convencionou chamar de "elite branca" não pode gritar "fora Dilma", "impeachment" ou "fora PT", sob pena de incorrer em suposto discurso de ódio.

    Marcar os manifestantes como pessoas "horrorosas", golpistas e contrárias aos benefícios sociais da geração Lula é sinal de cegueira.

    Muito além da corrupção, da falta de água e de energia, há base material para os protestos, que a rigor, alcançam "Nós e Eles": quem adquiriu mais poder de consumo nos últimos anos vê a prosperidade se esvair pelos ralos.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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