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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Como indenizar presos

    23/05/2015 02h00

    Está no Supremo Tribunal Federal um processo aparentemente corriqueiro, mas que adquiriu contornos constitucionais e pode gerar novos paradigmas para o sistema prisional.

    Inconformada com o regime degradante e cruel de cumprimento de pena que um preso sofreu, a Defensoria Pública do Mato Grosso do Sul ajuizou ação civil, que se arrasta há anos, pedindo a condenação do Estado ao pagamento de indenização por danos morais.

    O Recurso Extraordinário chegou ao STF em 2008 e, reconhecida a repercussão geral do julgamento, foi para o plenário. O relator Teori Zavascki votou em dezembro. Reconheceu o direito do condenado à indenização e restaurou o módico valor de R$ 2.000, corrigido, fixado pela Justiça local. O ministro Roberto Barroso se pronunciou, no início de maio, estabelecendo a divergência: propõe "uma rota alternativa e mais eficaz que o dinheiro", a remição da pena, que antecipa sua soltura.

    O voto faz profundo e constrangedor diagnóstico das mazelas do sistema penitenciário e propõe, como reparação moral, o desconto de um dia por cada três a sete dias de pena cumprida em "condições atentatórias à dignidade humana". O juiz da Vara de Execução decide dentro desse parâmetro. Reparação pecuniária, só se o julgamento do pedido acontecer depois de encerrada a pena.

    Na prática, se a tese de Barroso vencer, o STF criará mecanismo de reparação que não está na lei.

    O Judiciário pode criar direitos? A postura ativa de juízes, atuando como autênticos legisladores, fere o princípio da separação dos Poderes? Ou a postura ativa do STF se justifica em situações extremas, por tratar de "estado de coisas inconstitucional" e governança omissa? O Supremo deve ser mero expectador do calamitoso sistema prisional?

    Barroso sustenta que o "tempo agravado" —no caso concreto, o preso padeceu por cinco anos— se repara com a devolução de parte do próprio tempo. A lei já manda remir a pena por trabalho e estudo. A analogia permite, no âmbito federal, o desconto de parte da pena pelo hábito de leitura. Há experiências internacionais semelhantes.

    Eliminar o deficit de 210 mil vagas no sistema penitenciário custaria mais de R$ 10 bilhões só para a construção dos presídios hoje necessários, sem contar despesas de custeio. Há carências demais. É tempo de ajuste fiscal, contingenciamento, cortes. Milhares de ações judiciais de indenização pecuniária serão movidas se o voto do relator prevalecer, sangrando orçamentos estaduais. Há razões econômicas para políticas de desencarceramento e punição alternativa.

    A ideia de Barroso cria um mar de controvérsias. Riscos de distorção são também previsíveis: crimes iguais, duração da pena diferente. O que é preferível, ser submetido a tratamento insalubre e sair antes ou ser submetido a pena de prisão mais "confortável" e duradoura? Quais critérios os juízes espalhados pelo país adotarão para declarar que um presídio ou uma de suas alas, sob sua supervisão, atentam contra a dignidade? Em que grau? O Estado pode reconhecer a desumanidade do ambiente e manter a pessoa no lugar e nas mesmas condições?

    O Supremo parece ser cada vez mais um agente inclinado a pautar a política, os outros Poderes e a opinião pública.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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