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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Profissionais do sexo

    15/08/2015 02h00

    A Anistia Internacional quer inscrever a repressão à prostituição no rol das violações dos direitos humanos –como tortura, pena de morte e os confiscos de liberdade.

    Além de contrariar políticas legislativas de países democráticos, pela primeira vez a respeitável entidade, empenhada em generalizar o reconhecimento dos direitos humanos no planeta desde 1961, é alvo de ataques e críticas ferozes de celebridades, feministas, atrizes de Hollywood e organizações não governamentais teoricamente voltadas para o bem.

    Consideram a prostituição repugnante e temem a legitimação e o fortalecimento de iniciativas que formam o seu entorno, o "negócio do sexo", aparentemente próspero.

    A campanha da Anistia lança luz sobre tema pautado por valores morais poderosos e por muito preconceito. Do ponto de vista racional e laico, a repressão estatal é contraditória.

    No Brasil, prostituição não é crime. Desde 2002, a Classificação Brasileira de Ocupações, instrumento do Ministério do Trabalho, apresenta, sob o número 5198, "profissional do sexo" como o que "busca programas sexuais" e exemplifica: garota ou garoto de programa, meretriz, messalina, michê, mulher da vida, prostituta, trabalhador do sexo. Está habilitado a contribuir para o INSS e a usufruir de seus benefícios.

    Qual a lógica de punir quem se organiza para exercer uma atividade profissional formalmente reconhecida pelo poder público?

    Tirar proveito da prostituição alheia com o usufruto de seu lucro, o "rufianismo", induzir ou atrair alguém a ela ou a "outra forma de exploração sexual", manter estabelecimento em que ocorra "exploração sexual" são condutas tradicionalmente punidas com penas que variam de um a cinco anos de prisão. A previsão legal ampla e imprecisa inibe o que seria visto com naturalidade em outras profissões.

    A Anistia também defende punição para tráfico de pessoas, extorsão, violência, aliciamento de menores etc. Não é esse o ponto.

    A engenharia da clandestinidade é sempre perversa. Gera delitos, corrupção e, sobretudo, vulnerabilidade. Se fosse possível ao governo racionar o consumo de carne de porco, imediatamente se formaria um mercado paralelo, com abates sem fiscalização sanitária e subornos de autoridades, obrigando a pessoa comum a recorrer a organizações criminosas para servir uma feijoada para a família.

    Com a prostituição não é diferente. No passado, motéis pagavam mesada para policiais. Estabelecimentos suspeitos, mais ou menos dissimulados, ainda precisam de "proteção". Descriminalizar permite regulamentar.

    Se há países que punem a própria prostituição, o que é absurdo, outros, como o Canadá, tentam punir a freguesia. A consequência é que a atividade dos profissionais do sexo tende a se consumar em circunstâncias de risco e em locais inseguros. Nos EUA, policiais já veem o porte de camisinhas como indício de prostituição, o que cria embaraço para políticas públicas de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis.

    A Anistia Internacional declara "trabalhadores do sexo" como um dos grupos mais marginalizados no mundo. Não é verdade? Ao remar contra a maré politicamente correta, a entidade estimula polêmica, reflexão e desconforto. Não deixa de ser auspicioso.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
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