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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Condução de Lula pode ter sido passo em falso

    12/03/2016 02h00

    A condução coercitiva de Lula era necessária? Se intimados para prestar depoimento, testemunhas e investigados têm obrigação de comparecer. Se faltarem, podem ser conduzidos sob vara. Caso contrário, não há motivo.

    A investigação pode surpreender o investigado. Se presentes os requisitos legais, medidas de força, além da prisão provisória ou preventiva, como busca e apreensão e quebras de sigilo, correm em segredo, sem notificação do suspeito. Com depoimento é diferente.

    A lei 12.850/13 (define organização criminosa e os meios de investigação criminal) prevê que, determinado o depoimento do investigado, seu defensor terá assegurada a prévia vista dos autos, ainda que sigilosos, no prazo mínimo de três dias que antecedem ao ato.

    O significado é claro. O investigador revela os motivos da suspeita antes de submeter alguém à inquirição. Esse argumento, aliado ao direito de o suspeito silenciar, mostra que a condução, além de drástica, é inútil.

    Lula acusa a Lava Jato de pirotecnia. O espetáculo é parte das operações. Presos são removidos sem algemas, mas invariavelmente caminham com as mãos para trás ou para frente como se estivessem algemados. Os ambientes e as pessoas focadas pela Polícia Federal de Curitiba não oferecem, aparentemente, risco de resistência que justifique tamanho aparato de intimidação. Não se trata de gangue armada.

    Policiais inteiramente de preto, a vestimenta impecável com detalhes amarelos e reluzentes, as viaturas negras e as inscrições douradas: parece cinema. Por outro lado, o Power Point de tabelas, fluxos de cifras bilionárias e organogramas complexos confere às acusações potencial de credibilidade.

    No plano da propaganda, tão bem utilizada pela força-tarefa, a condução de Lula pode ter sido um passo em falso: levou a peleja para um campo em que ele transita como poucos, a oratória. Sem explicar as relações promíscuas que afetam sua imagem, pôde assumir papel de vítima, fazer defesa emocional do seu legado político e reanimar (se é que é possível) seus seguidores.

    A nota de esclarecimento do Ministério Público Federal lembra 117 mandados de condução coercitiva na Lava Jato sem que a legalidade fosse questionada. Mas as medidas eram destinadas ao terceiro escalão de suspeitos; o destaque das operações eram ordens de prisão. Os atingidos, por outro lado, não reclamavam porque não se reclama do que é menos gravoso. Poderia ser pior.

    As duas pontas estão em xeque. Se o cerco crítico à Lava Jato se amplia com o ritual contra Lula, verifica-se que o ex-presidente não é mais intangível. Em outra frente, o Ministério Publico de São Paulo formalizou a acusação de crimes. Se a denúncia for rejeitada, a posição de Lula se fortalece. Se for aceita pela Justiça, mesmo indeferindo o inconsistente pedido de prisão preventiva que alcança mulher e filho –o que reduziria a sensação generalizada de exagero–, ele vira réu.

    Os promotores citam a teoria da "cegueira deliberada" para emparedar o ex-presidente.

    Desenvolvida no direito norte-americano, permite punir quem intencionalmente desconhece ou ignora acontecimentos ilegais que ocorrem no seu entorno.

    Além de tudo que aflige Lula, o governo que poderia socorrê-lo vai se esfacelando dia após dia.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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