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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Bipolaridade brasileira

    07/05/2016 02h00

    A retomada de um caminho (qualquer que seja ele) seria mais rápida e fácil na hipótese de sucessivas renúncias: da presidente Dilma, do vice-presidente Temer, de Eduardo Cunha e –não se pode esquecer– de Renan Calheiros. A linha sucessória chegaria ao presidente do Supremo Tribunal Federal, que governaria até a realização de eleições diretas em 90 dias. Mas, no território da realpolitik, o desapego é um sonho improvável.

    Se a decisão do Supremo Tribunal Federal de suspender o mandato de Eduardo Cunha conforta quem vê na política o exercício de uma atividade transparente, ideológica e honesta, seu afastamento do cargo, medida sem precedentes, traz consequências importantes para a crise.

    O pedido da Procuradoria-Geral da República é de dezembro. O STF demorou cinco meses: a urgência é que justifica ações cautelares. O ministro da Justiça já declarou que não haveria impeachment se o tribunal tivesse agido antes...

    Se o processo contra Dilma obedeceu até aqui, rigorosamente, o figurino constitucional desenhado pelo próprio Supremo, a retórica oficial de um suposto golpe, da ilegalidade da acusação de crime de responsabilidade, ganha algum fôlego com o julgamento de quinta-feira.

    O Brasil tem um governo em formação e um governo moralmente sitiado. Se Dilma for afastada, como indicam os acontecimentos, teremos dois palácios –um querendo conquistar legitimidade para administrar o desastre econômico, outro, em ruínas, articulando recursos desesperados para tentar se salvar e estabelecer obstáculos para que o novo presidente se imponha.

    A bipolaridade de poder alcança a Câmara dos Deputados. Até a cassação de Eduardo Cunha. A suspensão do mandato faz dele um espectro que ronda a instituição, capaz de interferir na gestão da Casa, na tramitação de projetos de interesse do Executivo e em negociações parlamentares, mesmo sem se sentar na cadeira e a despeito de ter sucessor, também interino.

    Além das dificuldades econômicas e políticas, dois acontecimentos da semana mostram como o Brasil se distancia do desenvolvimento, apesar da aspiração geral pelo futuro melhor.

    Aplicativos de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, fazem parte da vida comum. Pode o juiz de Lagarto ou de qualquer outra cidade proibir o serviço, atingindo milhões de pessoas, como represália a uma atitude que considera imprópria? Pode um magistrado, por exemplo, tirar do ar por 72 horas uma emissora de TV ou proibir, por três dias, a circulação de um jornal, por conta de alguma "desobediência"? Ou, mais absurdo ainda, poderia o Judiciário suspender, ainda que por horas, o fornecimento de energia elétrica ou de linhas telefônicas, como forma de coagir concessionárias? Há de haver medidas alternativas que não resultem em violação de direitos difusos e individuais.

    A despedida da neurocientista Suzana Herculano-Houzel na revista "Piauí" é um retrato sombrio da pesquisa no Brasil. Ela vai para a Universidade de Vanderbilt, como professora associada, por não encontrar aqui condições materiais que permitam florescer a Ciência em tantos lugares. É comum cientistas partirem para o exterior: seria inteligente atraí-los.

    Por essas e por outras, queremos ser e não somos.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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