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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Desencanto eleitoral

    02/07/2016 02h00

    A maioria do Reino Unido decidiu pela saída da União Europeia e interrompeu o movimento globalizante. A abstenção foi de 26%. O resultado estimula reflexões sobre o voto como instrumento de deliberação.

    Plebiscito (convocação prévia a favor ou contra determinado ato) e referendo (convocação posterior para ratificar ou recusar uma proposta) são mecanismos de soberania popular para matérias de acentuada relevância.

    O Brasil, em 1993, definiu com plebiscito a forma e o sistema de governo (república presidencialista). Em 2005, o referendo rejeitou a proibição do comércio de armas de fogo. Em 2011, eleitores do Pará recusaram a criação dos estados de Tapajós e Carajás. São as nossas experiências desde a ditadura.

    Forças políticas hesitam porque as consultas dividem a população, impedindo ou impulsionando reformas. Se em maio de 2015 a Irlanda referendou o casamento de pessoas do mesmo sexo (62% dos votos a favor, comparecimento de mais de 60% dos eleitores), em dezembro, a Eslovênia rejeitaria a proposta (63% dos votos contra, comparecimento de um terço do eleitorado).

    Essenciais para a convivência democrática, as votações podem gerar arrependimentos e turbulências, como no caso do "Brexit", pela imprevisibilidade econômica e política das consequências. Na visão do colunista João Pereira Coutinho, "europeu até o tutano", o resultado do plebiscito do Reino Unido mostra que, além das "boçalidades racistas" da extrema direita, há sentimentos contrários ao centralismo e favoráveis a uma adesão à Europa em níveis diferentes de integração que deveriam ser considerados.

    O desaquecimento ideológico das disputas eleitorais talvez seja peça-chave para a formação de um bloco coeso de tantos e tão diferentes países. Mas há algo de errado na governança da Europa e o motivo não é o voto voluntário, presente na maioria das nações livres.

    Nas eleições para o parlamento europeu de 2014, a média de comparecimento de eleitores em 28 países foi de 42,61%, patamar que não alcançaram, por exemplo, a França (42,43%), a Holanda (37,32%), o Reino Unido (35,6%) e Portugal (33,67%). O comparecimento na Alemanha foi pouco acima da média, 48,1%. A Bélgica, único país do primeiro mundo em que o voto é compulsório, sob pena de multa, a adesão do eleitorado foi expressiva: 89,64%.

    Obrigar a votar não faz sentido político e nada resolve. Mas a abstenção (o não comparecimento do eleitor) é fenômeno agudo e crescente nas democracias ocidentais. O voto, parece, perde interesse.

    O sistema eleitoral norte-americano está repleto de anacronismos e a candidatura de Donald Trump sugere certa vulnerabilidade do mais poderoso dos governos ao populismo e à virulência verbal.

    No Brasil, o sistema eleitoral foi aniquilado pelos acontecimentos. Mesmo com o voto obrigatório, nas últimas eleições presidenciais faltaram 19,4% dos eleitores, ou, em número absoluto, 27,7 milhões de alistados na Justiça Eleitoral. As manifestações espontâneas de 2013, a desilusão com os partidos, a dinheirama e os desvios, o descrédito parlamentar e o próprio afastamento da presidente eleita e a posse do vice são sinais inequívocos de que, por aqui, também reina desencanto e infelicidade política.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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