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    Luís Francisco Carvalho Filho

    O voto é mesmo secreto?

    08/10/2016 02h00

    Alan Marques 03.out.2014 / Folhapress
    Urna eletrônica usada durante as eleições
    Urna eletrônica usada durante as eleições no Brasil

    A urna eletrônica é uma mudança irreversível. A colheita e a totalização dos votos são muito eficientes.

    No Brasil, a cédula manuseada pelo eleitor, pelo escrutinador e pelo fiscal passou a ser substituída pelo voto eletrônico em 1996. É uma história de sucesso. Tem sido comum a presença de observadores de diversos países, interessados no desempenho de um modelo que, a cada dois anos, proclama os vencedores sem controvérsias.

    As críticas chamam pouco a atenção.

    Reclamam da reunião do processo no Tribunal Superior Eleitoral. Uma única instituição cuida de tudo, custeio, execução e controle. Se a blindagem previne o sistema de ataques, propostas de repartição de competências e de adoção de mecanismos externos de auditoria, dotados de capacidade tecnológica e independência, também fazem sentido.

    O ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, referindo-se à disputa de 2014, classificou de "lenda urbana" as suspeitas de fraude e definiu a urna eletrônica como um avanço, por evitar a manipulação de resultado. Mas aqui e ali aparecem questionamentos. Há sistema informático invulnerável? Quanto mais complexos os mecanismos de proteção não serão mais sofisticados os instrumentos de invasão? E se a ação de um hacker eliminar rastros?

    Do ponto de vista prático, o eleitor é obrigado a votar primeiro no deputado estadual, depois no deputado federal, no senador, no governador e só então no presidente da República. A lógica não está invertida?

    Para que o voto seja anulado, o eleitor tem de errar: escolher um número que não pertence a qualquer candidato. O erro involuntário tende a diminuir: a população se acostuma a votar. Mas como a urna não oferece, como faz para o voto em branco, tecla específica para o voto nulo, misturam-se os que se confundem e os que protestam.

    Levantamento do Datafolha fez o mapa das concentrações em 2010. O voto em branco, considerado mais consciente, teve maior incidência no Sudeste e em regiões litorâneas do país. O voto nulo se distribuiu pelo Nordeste e interior. Quanto menos desenvolvido o município, menor a escolaridade média dos habitantes, maior o percentual de voto nulo.

    O voto é secreto para proteger o eleitor de pressão e suborno. Não revelar a escolha política é garantia constitucional. Mas na hora da votação, observa-se que o título eleitoral de cada um se vincula a um número que, por sua vez, se vincula a determinada urna e, por fim, ao voto. Os defensores do sistema atual sustentam que a numeração é embaralhada, o que torna impraticável o rastreamento posterior. Mas se é possível embaralhar, é tecnicamente impossível desembaralhar?

    Além do coronelismo, que deixa sempre impressões digitais na cena do crime, há outro patamar de interesse, mais sutil, em relação ao conteúdo de cada voto. A informação poderia reorientar aproximações políticas, a escolha de candidatos. É um conjunto de dados de valor inestimável, inclusive para cientistas sociais. Mal comparando, interessa a fornecedores conhecer as preferências de consumo dos seus clientes.

    Se a urna eletrônica se aperfeiçoa para ser fiel à escolha do eleitorado, sua aparente e propalada segurança não dispensa esforços permanentes de atenção e controle.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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