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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Virada pelo avesso

    31/12/2016 02h00

    Taba Benedicto/Folhapress
    Vendedores ambulantes e clientes ocupam faixa verde reservada a pedestres na avenida Liberdade, em SP
    Vendedores ambulantes e clientes ocupam faixa verde reservada a pedestres na avenida Liberdade

    Muda o prefeito mas, em relação aos pedestres, nada muda.

    Haddad, o prefeito que sai, tem o reconhecimento (não do eleitor, que lhe impôs fragorosa derrota) de ter trabalhado pela mobilidade urbana. Criou corredores e faixas exclusivas de ônibus, ciclovias, reduziu limites de velocidade, proibiu automóveis na avenida Paulista aos domingos, mas as calçadas de São Paulo são horrorosas.

    É possível melhorar a relação do cidadão com a cidade se o espaço público mais imediato é um lixo? O fluxo de pedestres não deveria ser objeto do pensamento de urbanistas e da própria disputa eleitoral?

    Mas não há meta para calçadas. No balanço que a Folha publicou no domingo sobre a gestão Haddad a palavra pedestre simplesmente não aparece, o que revela um descaso de mão dupla ""do jornalismo e do governante.

    Doria, o prefeito que assume amanhã, também não se interessa pelo tema. Em recente entrevista, prometeu mutirões para reformar as calçadas da cidade. Mutirões? Vai ter também mutirão para o recapeamento das avenidas ou para a recuperação dos viadutos ou para a construção de creches? Não, claro que não. Mutirão, em matéria de política urbana, é enganação ou piada.

    A melhoria das calçadas de São Paulo depende de projeto, de bom gosto e de muita vontade política, não de encenação tosca, com prefeito e secretários fantasiados de gari.

    A cidade de Nova York mapeou todas as suas árvores com um grau de detalhamento que permite identificar o valor ecológico e econômico de cada uma delas. Para os sucessivos prefeitos de São Paulo, árvores são um estorvo, atrapalham os fios, a praga urbana que empresários (amigos dos prefeitos, independentemente da ideologia) têm cultivado sem cerimônia e impunemente.

    Além de pintar de verde uma faixa de asfalto na avenida Liberdade para "ampliar" a calçada entulhada de gente, intervenção que, francamente, não merece prêmio internacional de urbanismo, além de roubar mais espaço de pedestres em favor das bicicletas, Haddad desenvolveu "projeto piloto" para transformar a rua Sete de Abril em calçadão.

    Inaugurada em setembro, a obra é medonha. Não se plantou uma única árvore. O revestimento, idealizado para substituir as tradicionais e bonitas pedras portuguesas da região, já está se desfazendo, como coisa velha e gasta. Mas é tamanha a carência de São Paulo que o novo calçadão é um sucesso: em lugar de happy hour de pobre, beleza não faz falta e o material pode ser vagabundo.

    O novo prefeito gostaria de concentrar a Virada Cultural no autódromo de Interlagos, a mais de 20 quilômetros do centro da cidade. Criada em 2005 justamente para valorizar o centro, para Doria "segurança, acessibilidade e funcionalidade" justificam a mudança.

    Não é, de certa maneira, uma continuidade do processo de descaracterização da Virada iniciado por Haddad, que, para evitar concentrações, atrair menos público e fazer contenção de risco em ano eleitoral, descentralizou os espetáculos na direção da periferia?

    Tão diferentes (Haddad conspirou contra os automóveis, Doria promete governar para os motoristas), as semelhanças entre o prefeito que sai e o prefeito que chega ajudam a explicar por que a cidade de São Paulo é tão feia. Feliz ano novo.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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