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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Prisão de rico sem diploma fez parecer que rico e pobre poderiam se misturar

    11/02/2017 02h00

    Ricardo Borges - 31.jan.2017/Folhapress
    Eike Batista, preso na Operação Lava Jato, chega à sede da Polícia Federal no Rio
    Eike Batista, preso na Operação Lava Jato, chega à sede da Polícia Federal no Rio

    Não é de hoje que a prisão especial é vista como anacronismo. Mas só em 2015 a Procuradoria Geral da República resolveu agir e propor Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para que o STF declare inexistir autorização constitucional para separar presos com base na instrução escolar. O processo é parte do acervo de Teori Zavascki.

    A política gerou clima de ressentimento indomável na sociedade brasileira –de lado a lado, reações à internação e morte de Marisa Letícia são sintomáticas– e a prisão de Eike Batista, bilionário sem diploma universitário, criou a expectativa de que finalmente ricos e pobres poderiam se misturar.

    A proteção dos diplomados é de 1937 e vale apenas para a prisão provisória, antes da condenação definitiva. Depois, todos voltam a ser "iguais". Segundo o Código de Processo Penal, a cela especial consiste em "alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana", o que sistematicamente se nega a presos comuns.

    Como a população carcerária vive em regime desumano, a garantia de salubridade só para alguns enquanto perdura o princípio da presunção da inocência, teria sentido humanitário. A lógica está invertida.

    Além de beneficiar políticos e autoridades, inclusive jurados e cidadãos inscritos no "Livro de Mérito" (pela prestação de serviços relevantes para o "enriquecimento do patrimônio material ou espiritual da Nação"), a prisão especial foi sendo ampliada pela pressão corporativista: oficiais da marinha mercante, pilotos de aeronave, dirigentes sindicais, policiais, funcionários públicos da União, professores do ensino fundamental. Em outros tempos, o advogado era detido em "sala especial de Estado-Maior" e o jornalista em "sala decente, perfeitamente arejada e onde encontra todas as comodidades".

    Para Rodrigo Janot, que reconhece a existência de problema "desgraçadamente crônico" nas prisões, são inaceitáveis "certas condições de dignidade" a que os demais indivíduos "parecem não estar legitimados". Mas a ação no STF só cuida dos diplomados.

    Em matéria de prisão, nem toda diferenciação viola a isonomia.

    As leis estabelecem critérios objetivos e racionais para a individualização da pena conforme os antecedentes e o perfil psicológico da pessoa, o que, na prática, não existe. De qualquer forma, presos provisórios deveriam estar separados dos condenados, primários deveriam estar longe dos reincidentes, presos por crimes violentos deveriam estar distantes de presos por crimes não violentos etc.

    Por que as pessoas sentiram indisfarçável prazer com a cabeça raspada de Sérgio Cabral e Eike Batista? Aliás, por que raspam o cabelo dos presos? Para simbolicamente minar traços de individualidade? Por que a excitação generalizada diante da perspectiva de o empresário, por não ter diploma, ser lançado às feras?

    O país inverteu o bordão forjado por Fernando Gabeira, quando era colunista da Folha, para a Justiça criminal: em vez de pobres serem tratados como eram tratados os ricos, o ideal de agora é que ricos sejam tratados como os pobres são tratados. Miseravelmente.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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