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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Se Lula for eleito, o que se promete não é 'paz e amor', mas ressentimento

    15/07/2017 02h00

    Miguel Schincariol - 13.jul.17/AFP
    Ex-presidente Lula durante pronunciamento em São Paulo
    Ex-presidente Lula durante pronunciamento em São Paulo

    Eu ainda não identifico no ex-presidente da República alguém interessado em enriquecer. Não vejo em Lula a figura da autoridade corrupta, conforme a noção clássica do direito penal, capaz de receber vantagem pessoal indevida em troca de algum ato governamental. Mas este sentimento, compartilhado cegamente pelos seus seguidores, não o redime de desvios éticos
    e da responsabilidade política.

    No apartamento de Guarujá, a nebulosidade parece extrema. A sentença de Moro, recebida com entusiasmo e indignação, é fundamentada e fruto do princípio do livre convencimento do juiz. Outro magistrado poderia decidir em sentido oposto, e absolver o réu, observando, por exemplo, inexistir a vinculação do imóvel às vantagens obtidas pela empreiteira em contratos da Petrobras ou a própria caracterização de uma contrapartida.

    A dualidade de entendimento na valoração da prova é característica do sistema judicial, é o que faz da Justiça uma loteria imperfeita, tratando diferentemente pessoas que praticaram atos semelhantes. Acontece o mesmo quando se julgam casos de tráfico de drogas. Pode ser assustador, mas a humanidade ainda não concebeu solução
    ideal para a apreciação dos delitos.

    A reação de Lula e do PT à Lava Jato é radical e temerária. Sem autocrítica, só enxergam a revolta das "elites" contra o fim da pobreza e os movimentos da "mídia golpista".

    O escândalo da Petrobras, resultante do aparelhamento criminoso da empresa pública, seria assim uma natural decorrência da realpolitik.

    Recusam o juiz da causa porque se atreve a julgá-los. Prisioneiros que não delatam são tratados como heróis. Acusam todos, Ministério Público Federal, PF, Receita, de conspiração e parcialidade. Recusam, enfim, a instância judicial para o julgamento do ex-presidente, como se o regime democrático admitisse a intangibilidade de alguém, em nome do povo ou de Deus.

    A recente ocupação da Mesa do Senado, para impedir a votação da reforma trabalhista, é desdobramento desta atitude. Instrumentos regulares do embate legislativo –obstrução, negação de quórum, protestos, ações judiciais– se substituem pela usurpação forçada de poderes e microfones. Na engenharia do golpe, o que não agrada não pode prevalecer.

    Lula jura inocência, mas não explica as relações de promiscuidade com as empreiteiras e os favores heterodoxos que as investigações fizeram emergir.

    Apesar da derrocada moral do seu partido, Lula convence uma parcela importante da sociedade de que é apenas vítima de perseguição política. Se vencer as eleições de 2018, o que se promete não é a versão atualizada do governante paz e amor de 2003, empenhado na conciliação, mas um governo construído a partir do ressentimento, portanto imprevisível, de um mártir vivo.

    Impedir a candidatura pela condenação criminal, por outro lado, frustraria gravemente as expectativas de um pedaço ideológico do país. O que seria adequado, apressar o julgamento da apelação ou deixar que as urnas decidam pela redenção ou pelo sepultamento do líder encurralado?

    Surpreendidos, o presidente Temer e o ex-presidente Lula, cada um ao seu modo, assim como Dilma e Aécio, reclamam de falta de provas. É estranho o xadrez da política brasileira.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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