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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Subordinação da polícia ao poder civil é requisito da ordem democrática

    26/08/2017 02h00

    O novo comandante da Rota, tenente-coronel Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, alocou todo o efetivo da corporação, centenas de homens, em operação batizada São Paulo Tolerância Zero, na quarta-feira (23).

    Fez o que nunca havia sido feito (as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar foram criadas em 1970), apesar do discurso político persistente de diversas cores ideológicas –a começar por Paulo Maluf. Pôs a Rota na rua.

    A operação foi definida como teste, direcionado a locais críticos e investigados, com o objetivo de combater o tráfico de drogas e o roubo.

    O UOL exibe uma galeria de fotos do policiamento especial. A arma sempre em punho, a parte pobre da cidade como cenário. Para o comandante, o caráter incisivo das abordagens evita que São Paulo se perca, como o Rio de Janeiro se perdeu. A operação é independente, "sem conversa" com governador ou secretário de Segurança.

    Na véspera da operação, o comandante concedeu entrevista exclusiva ao repórter Luís Adorno, publicada na quinta-feira (24), e, sem revelar preocupação com a letalidade policial, externou duas opiniões pessoais que merecem registro.

    Defende abordagens policiais diferentes na periferia e nos Jardins. Meios sociais diversos exigiriam repressão diversa, para que haja respeito. E declara que votaria em Jair Bolsonaro: "Eu não sou político e não gosto de falar muito de política, mas eu entendo que o país precisa de pessoas honestas no comando", "a população sente isso". Por ironia, do ponto de vista hierárquico ele está subordinado a governador que também quer ser candidato.

    A polícia deve estar subordinada ao poder civil, apesar de seus braços militares, e não pode implementar decisão com essa magnitude simbólica –tolerância zero e Rota na rua– à revelia do governo.

    A subordinação policial é requisito da ordem democrática. Policiais de elite, federais ou estaduais, militares ou não, também estão submetidos ao princípio da legalidade. Publicar os protocolos de formação e treinamento, profissionalizar seus integrantes e contê-los são algumas das recomendações internacionais. Além de se afastar da política, é claro. O Judiciário tem papel preponderante, mas mecanismos difusos de controle do que acontece nos quartéis e em delegacias são bem-vindos.

    O novo comandante não gosta de falar de política, mas fez política. Escolheu (e revelou a escolha voluntariamente) o mais controvertido dos candidatos à Presidência, pelo
    extemporâneo culto ao regime militar de 64 e pelo obscurantismo extremo.

    Em um dos marcantes casos de violência de sua história, integrantes da Rota 66 fuzilaram quatro jovens fugitivos justamente na região dos Jardins em 1975. As vítimas estavam desarmadas, o caso foi para a primeira página dos jornais –repercussão gigantesca em tempos de ditadura. O episódio explica a falta de isonomia do conceito de abordagem do comandante: pela maior visibilidade dos acontecimentos, ser incisivo em bairros nobres pode ser perigoso.

    Todos são iguais perante a lei, todos têm os mesmos direitos, vida, reputação, honra, privacidade. Mas como quase ninguém liga para o que acontece na periferia, o comando da Rota, movido pela adrenalina, gera perplexidade e inquietação.

    lfcarvalhofilho@uol.com.br

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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