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    Luís Francisco Carvalho Filho

    Censura, ameaças e photoshop

    04/11/2017 02h00

    O noticiário da semana mostra que a liberdade de expressão permanece na linha de tiro.

    Agente de segurança solicita autorização escrita para menor de 12 anos acompanhado da mãe ingressar na exposição "Natureza Concreta", no Rio de Janeiro. Ao proibir "Histórias da Sexualidade" para menores de 18, o MASP estimula ingerências indevidas no exercício do poder familiar. Já temos uma razoável coleção de atos, singelos ou agressivos, embaraçando o livre curso de iniciativas culturais.

    A pedido do Ministério Público, a Justiça de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, impede apresentação de Caetano Veloso no acampamento do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) -atitude que lembra instantes sombrios e dissimulados do regime militar.

    Quando a repórter diz que a imprensa não está praticando crime de violação de sigilo, Alexandre de Moraes, ministro do STF, reage: "Claro que está. Se você recebe um material sigiloso e divulga...".

    O funcionário público, não o jornalista, tem o dever de sigilo, mas uma das 11 estrelas solitárias do Supremo pronuncia-se sobre tema que pode ser objeto de apreciação judicial e faz questão de se situar no campo autoritário, contra a liberdade de imprensa.

    O TSE, presidido por Gilmar Mendes, o Ministério da Defesa, a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e a PF ensaiam a formação de uma nebulosa, imprecisa e estranha parceria para a repressão de "fake news" (notícias falsas) nas eleições de 2018.

    Pesquisas eleitorais indicam a polarização entre Lula e Bolsonaro. Se o candidato que sente saudade do regime de 64, com o apoio político de forças moralistas hoje empenhadas em censurar, desperta sincero desconforto, o ex-presidente, que ressurge das cinzas ressentido, a imagem marcada por relações promíscuas e pelas acusações criminais, também gera incômodos.

    O perfil @LulapeloBrasil emite sinais de ameaça no Twitter: "Eu fiquei oito anos na presidência e a Dilma ficou seis. A gente foi muito condescendente com os meios de comunicação". O que significa ser menos condescendente com os meios de comunicação é algo que o candidato ainda não explicou.

    A criação de limites e mecanismos de controle pode até se inspirar em valores "politicamente corretos".

    Está em vigor, na França, o "alerta Photoshop" para a proteção da saúde física e mental de consumidores e modelos. Mensagens publicitárias estão obrigadas a sinalizar agora, sob pena de severa multa, a existência de retoques na fotografia para emagrecer ou fortalecer o corpo da pessoa retratada e, assim, prevenir distúrbios decorrentes dos padrões de beleza impostos pelo mercado da moda.

    A iniciativa é simpática, sem aparentes efeitos colaterais, e deve se espalhar pelo mundo. Mas não é eficaz. A "correção" fotográfica é o estágio final da ditadura estética. O selo de advertência não elimina as zonas de ilusão e perigo.

    Nem mesmo a proibição dos retoques teria o efeito almejado pelo legislador francês. O Photoshop simplesmente se transferiria da superfície digital ou impressa para o corpo do próprio modelo, modulado pela luz, pelo ângulo ideal e pela maquiagem.

    A manipulação da realidade é inerente à propaganda comercial e política.

    luís francisco carvalho filho

    É advogado criminal. Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos instituída pela Lei 9.140/95. Escreve aos sábados,
    a cada duas semanas.

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